Turma Formadores Certform 66

Saturday, November 22, 2014

A Europa justiceira ou o fim dos corruptíveis?

Tempos houve em que o Direito era a ciência que dominava a política entre nós e na Europa. Depois com a crise, parece que o paradigma mudou e têm sido os tempos da Economia a mover os governos europeus. Agora parece estar a surgir o tempo de um certo justicialismo, não já o de produção de leis, mas sim, aquele outro justiceiro e implacável que atinge todos a esmo, sobretudo, aqueles que têm lugares de mais visibilidade. Não quero aqui inferir que a aplicação da lei não se faça ou seja seletiva, ou que exista uma lei para poderosos e uma outra para os restantes que, queiramos ou não, existe e existirá sempre, não passando de ingenuidade ou fantasia dizer-se o contrário. Mas nestes tempos de chumbo que vivemos, parece que a Justiça tem a necessidade, - depois de ter sido tão contestada -, de ter atitudes exemplares com a plebe a lambuzar-se com a desgraça alheia, leia-se, os menos poderosos, muito ao estilo medieval de execuções públicas que eram servidas ao povo como exemplo, mas também, como espetáculo! Tudo isto a propósito da detenção de José Sócrates. É curioso, a menos que existam razões que desconheço, que o ex-primeiro-ministro tenha sido detido no aeroporto, à chegada e não à partida, com o secretismo que a Justiça requer nestes casos, embora lá estivesse (talvez por acaso) uma televisão para filmar o acontecimento em imagens exclusivas! Digamos que no mínimo é curioso. Como curioso é o adiar da viagem de Sócrates de Paris para Lisboa - por duas vezes - e que, segundo o correspondente da RTP na cidade francesa, Paulo Dentinho, afirmou que "um colega de profissão me tinha dito que Sócrates seria detido quando chegasse a Lisboa!". (A ser verdade, afinal parece que a Justiça não é, de facto, igual para todos, existindo alguns que têm acesso a informação privilegiada e os restante não). Recordo aqui a crónica de Henrique Monteiro no Expresso com o título "Sócrates: A Justiça a mudar ou a exagerar?" quando diz: "Nada disto chega para prender alguém num aeroporto, sobretudo quando não vai a partir, mas a chegar. Haverá suspeitas de crime grave? Não sei quais. Do que se fala - tráfico de influência, branqueamento de capitais e corrupção - nada sei. Espero, pacientemente, que a Justiça dê explicações." E acrescenta: "Politicamente, no entanto, a detenção de Sócrates é complexa (...). É também um enorme desafio à Justiça. Um erro cometido com Sócrates não é igual a um erro cometido com um cidadão qualquer." Pois é. Para além das provas irrefutáveis ou não, das razões de Justiça que possam existir, o certo é que parece que se começa a entrar num certo justicialismo que é preocupante. Todos nos lembramos quando se ligou Ferro Rodrigues, - na época o líder do PS - e Paulo Pedroso, - então deputado -, ao processo Casa Pia, e que acabou por acometer o bom nome de ambos, sem que daí nada mais resultasse. De novo recorro a Henrique Monteiro, e ao artigo que venho citando, onde afirma: "Há algo na Justiça a mudar - vejam-se as prisões de altos dirigentes do Estado ou as condenações de Maria de Lurdes Rodrigues ou Armando Vara - mas temo que haja alguém que na Justiça ande a exagerar - a condenação da ex-ministra da Educação parece-me manifestamente exagerada. Digo isto com as naturais reservas de não ser jurista." Por isso, há mesmo que esperar para ver.  Depois de termos sido assolados nos últimos meses com sucessivos escândalos que envolvem altas figuras do Estado, o esperar para ver parece ser o mais sensato. Porque, ou alguém anda equivocado, ou então a podridão é tal, que já não sabemos que fazer, nem onde possamos encontrar algum local de abrigo. Mas toda esta mediatização justiceira só serve para afugentar as pessoas da coisa pública. Já poucos querem enveredar pela carreira política, e cada vez menos aparecem pessoas com tendência para exercer cargos públicos. E se se deve fazer Justiça caso tal se justifique, a mediatização da mesma não augura nada de bom. É que sem políticos não há partidos, e sem estes não há democracia. Isto não quer dizer que havendo razões que o justifiquem, a Justiça não pode assobiar para o lado como se não visse nada. Porque se assim fosse, então os pilares do regime estariam em causa e passaríamos a viver segundo a lei da selva. Mas num país onde os submarinos continuam a levantar suspeições, havendo gente condenada na Alemanha por corromper portugueses e gregos, e na Grécia há detidos por serem corrompidos e em Portugal parece não haver nenhum (?), onde temos um BPN sem fim à vista, onde temos uma PT esfrangalhada sem que ninguém perceba porquê, onde temos um BES e Ricardo Salgado - o homem que mandava nisto tudo - envolvidos numa das mais estrondosas e surpreendentes falências, onde os Visa gold fazem com que as polícias secretas sejam objeto de escândalo, onde chefes dessas polícias são presos, ministros se demitem, ex-primeiros-ministros são detidos, leva a perguntar que país é este? Que nebulosa cobre este país? Que opacidade nos cega a cada momento? Mas tudo isto tem uma visão extra fronteiras. A visão mais positiva será dizer que se está perante um país onde a justiça funciona. A visão mais negativa será a de perguntar, afinal quem são aqueles lusitanos ingovernáveis, a que Júlio César - imperador da antiga Roma - já se referia. E aqui chegado, só me apraz citar de novo Henrique Monteiro: "Perante isto, só posso desejar o que, normalmente pedem os advogados no final dos processos: que se faça Justiça!" (idem). Aguardemos pois pelo evoluir da situação e saber mais detalhadamente o que se passa. Mas esta onda de encontrar soluções jurídicas para o que muito se passou e foi ignorado, não existe só entre nós. Veja-se o caso de Jean-Claude Juncker, que se viu a braços com o escândalo das facilidades fiscais no seu país, - o Luxemburgo -, quando disso toda a gente tinha conhecimento. Bastava apenas passar por lá e constatar algumas coisas, o que até não era difícil. Porque é que só tal se tornou visível quando Juncker foi eleito presidente da Comissão Europeia? Quem o elegeu, seguramente, que tinha conhecimento disso, caso contrário, era ingénuo. E o que aconteceu a Baltazar Garzón, o juíz que impôs a si próprio extirpar a corrupção de Espanha? Neste emaranhado de confusão outros casos vão proliferando aqui e ali, o que dá a ideia duma Europa de má consciência a virar justiceira. Veremos o que daí sairá, havendo tantos sinais de desentendimento entre as partes que podem ter consequências graves. Estejamos atentos ao que este justicialismo europeu dará e o que resultará de tudo isso. Porque, como diz a máxima do direito romana, "nem tudo o que é lícito é honesto". É que a "polis" regida por princípios impolutos defendida na "República" de Platão nunca passou disso mesmo, dum idealismo, duma utopia, mesmo quando Platão citou a rigor o seu mestre Sócrates, não este que está a braços com a Justiça, mas o outro, o filósofo, que acabou por sucumbir à cicuta! 

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