A problemática da saúde face ao SNS
Temos assistido nos últimos dias à polémica em torno dos tratamentos da Hepatite C. E penso que estaremos de acordo na forma chocante com que as pessoas são reduzidas a números. Sei que o ministro da saúde é economista, e sei também que os economistas têm alguma dificuldade de se afastarem dos números e das estatísticas, mesmo quando estão pessoas por trás. Afinal sou da profissão e sofrerei do mesmo mal, embora tente contrariar essa visão estreita das coisas. Mas isso leva-nos a um outro tipo de reflexão que é a do próprio Serviço Nacional de Saúde (SNS) que já foi considerado um dos melhores do mundo e que agora passa por tão terrível provação. (Não esquecer que países como os EUA tentaram copiá-lo para o seu modelo de saúde que não contempla um apoio aos mais desfavorecidos como é sabido). Tudo isto feito em nome duma redução de custos que põe em causa a sua manutenção, bem como, a sangria dos seus profissionais que optam pelos sistemas privados ou até pela emigração. Aquele que foi uma das maiores bandeiras da nossa democracia está de facto doente, - e veremos se não em fase terminal -, a ser engolido pelos privados. Como há dias alguém dizia, "ou se tem dinheiro para se ir tratar nos privados ou se morre". Já foi assim em Portugal, e lembro-me bem disso. O que nunca esperei foi voltar a ver essa situação repetida de novo no meu país. Tudo em nome dum equilíbrio de finanças públicas que não é visível, onde só a propaganda governamental consegue vislumbrar algo de benéfico. A frieza com que se tratam assuntos deste jaez não pode deixar de nos preocupar a todos. Porque para além dos défices, da dívida, do euro, da crise, há uma realidade superior que se prende com a saúde de todos nós. Esta situação é bem o espelho do país que somos por contraste ao país que fomos. Sobretudo quando se fala, ainda como auto-elogio, a ir-se para além da "troika". Se existe dinheiro para manter a pesada máquina do Estado, onde o falar de "corte de gorduras" significa uma heresia - apenas o não é em período eleitoral -, parece ser mais fácil cortar a esmo. De que a saúde é apenas uma parte. Há medida que a população envelhece, os doentes tenderão a aumentar, o que significa que cada vez mais será precisa uma resposta eficaz do SNS. Não é isso que está a acontecer, nem parece que seja isso que irá acontecer no futuro. A exemplo das farmacêuticas que praticam preços de medicamentos com muitos milhares por cento de lucro sobre alguns deles, seremos confrontados com um SNS com cada vez menos capacidade de resposta. Está criado um caldeirão de interesses que não se sabe onde vai parar. O governo diz que está a negociar com os laboratórios, mas entretanto, tem que ter um plano B para aplicar aos doentes enquanto as negociações não terminam. (E não a infeliz frase do primeiro-ministro que acha que não se deve comprar medicamentos a "custe o que custar", é o mesmo que já ache bem a austeridade a "custe o que custar"). Porque se não for assim, então o SNS estará ferido de morte. A saúde, a par da educação, são bem o espelho dum país. E o que se vê, parece que este espelho é bem baço em risco de se quebrar. Enquanto alinhava estas linhas, veio a informação de que o governo chegou finalmente a acordo com as farmacêuticas. Quarenta e oito horas depois do apelo dramático dum doente que não queria morrer, com laivos até de ameaça ao ministro. Não sei se isso funcionou para se desbloquear a situação. Mas não deixa de ser estranho que se tenha chegado a acordo tão rapidamente depois de mais de um ano em negociações. Se isso pesou na balança então é caso para dizer que Portugal está de facto doente e sem cura à vista.
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