No caminho da memória
À medida que envelhecemos, vamos começando a viver dum certo passado que muito nos marcou. Por vezes, até dum passado mais remoto, que a distância duma infância muito feliz, não deixou apagar. Hoje foi um desses dias. Estão a celebrar-se as festas em honra de N. S, da Hora, e hoje é o dia da padroeira. Sempre que posso, passo por lá como foi hoje o caso. (Não sou nada de festas, mas esta tem um cunho muito especial para mim). Mais do que o sentido de culto, é mais um caminho rumo às minha memórias de infância. Embora toda a envolvente esteja muito diferente da de então, não deixe de, ao caminhar por aqueles espaços, rolar memórias em catadupa. Neste dia, saía da escola mais cedo e ia com a minha avó à festa. A pé claro, porque naquele tempo quase que não existiam carros. Era sempre a esperança da fartura ou do doce de Teixeira - que tanto aprecio - a mitigar os vários quilómetros a pé que tinha que fazer. E se a isso se juntasse um brinquedo de lata ou de madeira, ou talvez, um 'santinho' para ornamentar a cascata dos Santos Populares, (como era apanágio de antanho), tanto melhor. Mas era no domingo seguinte - o próximo domingo - que as coisas de complicavam. Porque era uma festa obrigatória na família e, para além disso, era dia de estrear roupa nova. Sobretudo os famosos sapatos a preceito, que tanto magoavam os pés. E para uma criança ainda de tenra idade, fazer cerca de cinco quilómetros a pé, por lá andar, e fazer o caminho de regresso, sempre apeado, era obra. Chegava a casa e os pés, quase sempre, estavam em sangue, pudera! Na procissão sumptuosa que era normal nesses tempo recuados, os meus avós lá me empurravam para a frente para que, sendo pequeno então, a pudesse ver melhor. Mas eu que sempre gostei de animais, tinha um medo horrível daqueles cavalos que abriam e fechavam a procissão. Para a criança que eu era nessa altura, aqueles cavalos eram enormes do tamanho do pavor que eu sentia em tão exposta posição. Tudo isto me veio à memória, quando visitei a capela - a igreja velha como é também conhecida - a mesma onde os meus pais se casaram e eu fui batizado. É as Sete Bicas e o recordar dos duelos de bandas de música que arrastavam multidões. Torrentes de memórias avassaladoras que por mim passaram. Até da igreja principal - a nova - por onde passei. Olhei para ela e lembrei-me dum célebre domingo matinal em que fui com o meu avô ver erguer a torre sineira. Era algo de novidade naquela vila que mais se parecia com uma aldeia. Já que ali estava, acabei por entrar. É linda e sumptuosa por dentro, sobretudo, pelo seu belo jogo de vitrais. Mas é da velha capela a que o meu imaginário se agarra. Foi aí que tudo começou para mim e foi aí que acompanhei muitos dos meus familiares até à sua derradeira morada. Memórias dum tempo. Caminhos duma certa História porque não dizê-lo. Um sinal do meu envelhecimento onde já me vou agarrando às memórias passadas porque é nelas que vou beber muita da minha identidade, dessa já tão longínqua e feliz infância, que foi a minha.
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