Interrogações (inquietações) em tempo de Quaresma
Estamos a caminho da celebração da Páscoa e tal motiva-me sempre algumas reflexões. Este ano um pouco diferente dos anos transatos. Porque o catolicismo está mergulhado em tanta confusão dentro do seu próprio seio e protagonizado por quem devia ter mais recato, que tal só serve para afastar os crentes do seu culto. Embora aqui tenho que fazer um reparo. O culto profundo e puro face ao transcendente incognoscível nada tem a ver com religião, seja ela católica ou outra. Como também o sancionar quem frequenta os cultos com rótulos inapropriados não tem cabimento. (Já basta aquela diferença de praticantes e não praticantes, que julgo ser apenas uma bizarria do catolicismo, visto não a conhecer com esta vertente em outras religiões). Sempre que falo sobre isto, vem-me à memória as palavras dum grande biblista, Frei Fernando Ventura, que sempre me diz que 'felizmente Deus não tem religião'. A partir daqui penso que fica claro aquilo que afirmarei a seguir. Desde à vários séculos que as populações se questionam sobre a vida, - por vezes dupla -, daqueles que deveriam ser os seus guias espirituais. Daí essa frase popular que ouço desde criança 'olha para o que eu digo, e não para o que faço'. Elucidativa sem dúvida. Num tempo de introspeção como este que atravessamos, é bom que tenhamos a frontalidade de pensar para além do óbvio e do politicamente correto. Os casos de abusos em que a Igreja se tem visto envolvida, até à descoberta de outros tantos casos de clérigos com vidas duplas, tudo leva a uma profunda confusão. Conheço alguns clérigos pessoalmente e, tanto quanto me parece, nunca deles se soube fosse o que fosse, mas nos tempos que correm nunca se deve por as mãos no fogo. Tudo isto a propósito dum livro editado à cerca de um mês sobre esses casos cinzentos e outros bem negros que envolvem a Igreja. Chama-se 'No Armário do Vaticano' e é da autoria do francês Frédéric Martel, que nos retrata uma imagem por vezes sinistra do que se passa no seio da Igreja, não deixando de fora o nosso país. (Sobre este livro falarei noutra altura, agora só me interessa lançar as interrogações sobre a religião e aquilo que os homens fizeram dela). Desde à muito nos questionamos sobre a seleção dos textos bíblicos, do porquê de serem deixados de lado uns face a outros, - a que se dá o nome de 'apócrifos' -, já para não falar da própria vida de Jesus e de Maria Madalena, que nos conduz a um culto que existe muito enraizado no sul de França, mais concretamente no Languedoc. E já agora, da questão cátara nunca bem explicada, da aliança entre a monarquia francesa e o papado contra os Templários, do próprio papado em si e dos seus pérfidos costumes (de alguns evidentemente) que em nada dignificam a Igreja. Para usar uma profecia que já vem de longe, 'o demónio já entrou no Vaticano', casos que apareceram pelas bocas de São Malaquias e de Nostradamus. No meio de toda esta confusão, é sempre interessante não esquecer o papel do atual Papa Francisco que com a sua ação tem posto a nú muito daquilo que estava escondido. Afinal todos sabiam, mas ninguém queria falar disso. Para usar a terminologia de Martel, 'estavam no armário'. Isto não significa que em torno do Vaticano esses casos não fossem falados, e são-no ainda mais hoje, o que até para um crente o deixa ficar aturdido. Basta andar pelo Vaticano, - refiro-me à Praça de São Pedro, mais concretamente pelas colunatas de Bernini ao final da manhã ou durante a tarde -, para se ver aquilo que ninguém quer admitir, pelos menos em público. Isto é, uma Igreja corrompida, onde os jogos de bastidores, num casamento perfeito entre poder, religião, sexo, onde se vai desenhando os destinos do mundo e dos homens, embora cada vez mais exposta pela 'limpeza' que Francisco está a fazer e que tantos anticorpos lhe estão a criar. No limite, a reflexão, aquele que é o nosso ponto de inquietação entre o Deus em que acreditamos, em Jesus como intermediador e, sobretudo, no efeito de amortecedor social que as religiões devem ser. Demasiadas questões que não cabem aqui neste espaço, mas que nos devem fazer refletir. Não considero que o ser praticante seja um anátema, mas temos que sê-lo com o espírito aberto em separar o transcendental do humano na sua vertente mais negra. Uma reflexão em tempo de Quaresma que pretende levar as pessoas a pensar e não a afastá-las do seu culto. Como em tudo na vida, somos sempre chamados a separar o trigo do joio.
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