Turma Formadores Certform 66

Sunday, November 29, 2020

Em busca da magia do Natal

José era uma criança feliz. Como todas as crianças ainda não tinha provado as privações da vida. Na sua ainda tenra idade tudo era magia e descoberta e José sentia-se feliz. José era uma criança realmente feliz.

Como acontecia com todas as crianças que viviam em famílias modestas, José só pelo Natal tinha brinquedos novos. Diziam-lhe que era o Menino Jesus que lhe oferecia os tais brinquedos se ele se portasse bem. (Nessa altura, o Pai Natal, embora ocupasse as decorações da sua casa, não tinha o estatuto central que tem hoje. E José nem percebia bem isso, o que ele queria era os ansiados brinquedos).

Ano após ano na noite de Natal e já com a ceia a decorrer, José era surpreendido por um ruído junto da chaminé da cozinha onde ainda ardiam as brasas do fogão a lenha. E José primeiro ficava surpreso para logo a seguir ir a correr à cozinha e descobrir os brinquedos que tanto tinha desejado ali bem aconchegados junto ao fogão e não na árvore porque era aí que estava a chaminé. Essa era a magia do Natal, aquela que todos os anos se renovava e que trazia José ansioso durante um ano inteirinho só para viver esse momento.

Mas José foi crescendo e começou a verificar que antes do tal ruído que indiciava a chegada do Pai Natal a descer pela chaminé, - a cumprir as ordens do Menino Jesus -, o seu avô arranjava sempre um pretexto para sair da mesa. E isso, se no início nem o apoquentava, à medida que os anos foram passando, foi motivo de reflexão. Algo de estranho se passava nessa altura. ‘Mas que seria?’, Interrogava-se José.

Mas logo tudo era esquecido porque os brinquedos eram o mais importante e as doçarias da quadra também, numa época em que só nessa altura se comiam tais coisas.

Contudo, um ano decidiu que haveria de tirar aquilo a limpo. Era uma terrível coincidência que o atormentava e José sempre gostou de perceber o porquê das coisas desde muito pequeno. O Natal próximo lá chegou no tempo aprazado como sempre acontecia e José começou a gizar o seu plano. Sem dizer nada a ninguém do que o inquietava, José lá foi aguardando os preparativos que tanto o entusiasmavam para a ceia desse Natal.

Sempre deslumbrado com a sua árvore de Natal, tão pobremente vestida, mas tão acarinhada por José, e o seu presépio belo de plástico que a sua avó lhe tinha oferecido, tudo era magia para a criança que ele era. A magia do Natal ia-se cumprir de novo. Mas a sua dúvida permanecia, agora já com laivos de desconfiança que espicaçavam a sua mente imberbe.

Quando chegou a hora de ir para a mesa, José posicionou-se para dar seguimento ao seu plano. O lugar era o mesmo, mas ele conseguiu dar um arranjo às cadeiras para poder sair rapidamente dela quando chegasse o tal momento. Mas estava apreensivo porque algo lhe dizia que daí para a frente os natais seguintes não teriam a mesma magia, encanto e deslumbramento. Mas mesmo assim, achava que deveria ver o que se passava em nome da sua proverbial curiosidade.

Depois de terminada a ceia já com as iguarias mais doces a prepararem-se para ir para a mesa, de novo o seu avô saiu como sempre fazia. O que ninguém esperava era que esta criança saísse uns segundos após a correr, perante a preocupação das restantes pessoas à mesa, e surpreendeu o seu tão querido avô a colocar os brinquedos e a fazer o famoso ruído.

Foi como se tivesse sido atingido por um balde de água gelada. Embora o seu avô lhe disse que estava ali para agarrar o Pai Natal mas este tinha fugido, no seu íntimo tudo aquilo era um embuste. Primeiro, uma certa incredulidade; depois, um certo desencanto por ter sindo vítima dum engano que durou muitos anos. Na altura ficou verdadeiramente descoroçoado não percebendo que aquilo que o seu avô fazia, o fazia em nome do muito amor que lhe tinha.

Só mais tarde, já com mais idade, José perceberia o gesto e o encanto que ele encerrava em si mesmo. Mas como temia aquando da vez que decidiu esclarecer as coisas, afinal o tal pensamento que tinha assumiu uma crua realidade. De facto, desde esse Natal nunca mais houve magia. Foi como se um hipotético vaso de cristal onde ela se encerrava tivesse sido estilhaçado.

José foi percebendo com o decorrer dos anos o que isso significava, mas aquela magia que a quadra encerrava para ele, nunca mais foi vislumbrada. E que saudade José tinha desse tempo de inocência e credulidade.

 

(Novembro 2020)

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