Em busca da magia do Natal
José era uma criança feliz. Como todas as crianças ainda não tinha provado as privações da vida. Na sua ainda tenra idade tudo era magia e descoberta e José sentia-se feliz. José era uma criança realmente feliz.
Como acontecia com todas as
crianças que viviam em famílias modestas, José só pelo Natal tinha brinquedos
novos. Diziam-lhe que era o Menino Jesus que lhe oferecia os tais brinquedos se
ele se portasse bem. (Nessa altura, o Pai Natal, embora ocupasse as decorações
da sua casa, não tinha o estatuto central que tem hoje. E José nem percebia bem
isso, o que ele queria era os ansiados brinquedos).
Ano após ano na noite de Natal e
já com a ceia a decorrer, José era surpreendido por um ruído junto da chaminé
da cozinha onde ainda ardiam as brasas do fogão a lenha. E José primeiro ficava
surpreso para logo a seguir ir a correr à cozinha e descobrir os brinquedos que
tanto tinha desejado ali bem aconchegados junto ao fogão e não na árvore porque
era aí que estava a chaminé. Essa era a magia do Natal, aquela que todos os
anos se renovava e que trazia José ansioso durante um ano inteirinho só para
viver esse momento.
Mas José foi crescendo e começou
a verificar que antes do tal ruído que indiciava a chegada do Pai Natal a
descer pela chaminé, - a cumprir as ordens do Menino Jesus -, o seu avô
arranjava sempre um pretexto para sair da mesa. E isso, se no início nem o
apoquentava, à medida que os anos foram passando, foi motivo de reflexão. Algo
de estranho se passava nessa altura. ‘Mas que seria?’, Interrogava-se José.
Mas logo tudo era esquecido
porque os brinquedos eram o mais importante e as doçarias da quadra também,
numa época em que só nessa altura se comiam tais coisas.
Contudo, um ano decidiu que
haveria de tirar aquilo a limpo. Era uma terrível coincidência que o
atormentava e José sempre gostou de perceber o porquê das coisas desde muito
pequeno. O Natal próximo lá chegou no tempo aprazado como sempre acontecia e
José começou a gizar o seu plano. Sem dizer nada a ninguém do que o inquietava,
José lá foi aguardando os preparativos que tanto o entusiasmavam para a ceia
desse Natal.
Sempre deslumbrado com a sua
árvore de Natal, tão pobremente vestida, mas tão acarinhada por José, e o seu
presépio belo de plástico que a sua avó lhe tinha oferecido, tudo era magia
para a criança que ele era. A magia do Natal ia-se cumprir de novo. Mas a sua
dúvida permanecia, agora já com laivos de desconfiança que espicaçavam a sua
mente imberbe.
Quando chegou a hora de ir para a
mesa, José posicionou-se para dar seguimento ao seu plano. O lugar era o mesmo,
mas ele conseguiu dar um arranjo às cadeiras para poder sair rapidamente dela
quando chegasse o tal momento. Mas estava apreensivo porque algo lhe dizia que
daí para a frente os natais seguintes não teriam a mesma magia, encanto e
deslumbramento. Mas mesmo assim, achava que deveria ver o que se passava em
nome da sua proverbial curiosidade.
Depois de terminada a ceia já com
as iguarias mais doces a prepararem-se para ir para a mesa, de novo o seu avô
saiu como sempre fazia. O que ninguém esperava era que esta criança saísse uns
segundos após a correr, perante a preocupação das restantes pessoas à mesa, e
surpreendeu o seu tão querido avô a colocar os brinquedos e a fazer o famoso
ruído.
Foi como se tivesse sido atingido
por um balde de água gelada. Embora o seu avô lhe disse que estava ali para
agarrar o Pai Natal mas este tinha fugido, no seu íntimo tudo aquilo era um
embuste. Primeiro, uma certa incredulidade; depois, um certo desencanto por ter
sindo vítima dum engano que durou muitos anos. Na altura ficou verdadeiramente
descoroçoado não percebendo que aquilo que o seu avô fazia, o fazia em nome do
muito amor que lhe tinha.
Só mais tarde, já com mais idade,
José perceberia o gesto e o encanto que ele encerrava em si mesmo. Mas como
temia aquando da vez que decidiu esclarecer as coisas, afinal o tal pensamento
que tinha assumiu uma crua realidade. De facto, desde esse Natal nunca mais
houve magia. Foi como se um hipotético vaso de cristal onde ela se encerrava
tivesse sido estilhaçado.
José foi percebendo com o
decorrer dos anos o que isso significava, mas aquela magia que a quadra
encerrava para ele, nunca mais foi vislumbrada. E que saudade José tinha desse
tempo de inocência e credulidade.
(Novembro 2020)
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