Triste vida de cão (Versão conto)
Era uma vez... Sim, todas as estórias começam por era uma vez. Esta também. Era uma vez um cachorro bebé que foi dado a uma menina. A menina olhou para ele e gostou. Afinal era pequeno e brincalhão como ela. A família aceitou-a como um brinquedo. Como é normal a menina foi crescendo e a cadela também. A menina quis outras coisas que não brinquedos, o cachorro deixou de ter préstimo e foi descartado. Primeiro pensaram em levá-la para o canil. Depois em abandoná-la num qualquer bosque ou estrada. Mas a consciência acusava e então acharam por bem colocá-la numa casa dum familiar. Primeiro num espaço amplo e em liberdade. Mas como continuava a ser folgazona, logo foi confinado a um outro espaço onde o sol mal chega amarrado por uma corrente para a vida. O animal não percebeu que crime terá cometido para tal sorte. Primeiro dormindo em casa, depois fora, numa casa que ele não conhecia e ainda por cima acorrentado. Cumpre dizer que esta família de acolhimento, apesar de tudo, até está a fazer uma boa ação. Porque evitou que fosse para o canil morrer duma morte horrível ou ser abandonado à sua sorte onde viria a morrer de morte não tanto melhor. Comida não falta nem água. Mas a nossa cadela tem sede doutra coisa, sede de amor, que não tem. Está ali como um objeto, já não o brinquedo que foi noutro tempo. Dorme de dia e ladra toda a noite. Não o ladrar de quem quer guardar o espaço, mas o ladrar dum animal que tem medo, que se sente acossado e que não compreende porquê tudo isto. E ele lá está e estará a gastar os seus dias. Talvez um dia acabe mesmo por ir parar ao tal canil onde a tal morte horrível a espera. Como já aconteceu com os seus antecessores. Até lá ela não compreende como pode ser odioso o ser humano a quem ela dedicou, e dedica, tanto amor. Esta é, de facto, uma triste vida de cão. Esta estória começou como todas as estórias por era uma vez... E se afinal não fosse uma estória mas sim uma triste realidade igual a tantas outras por aí? A triste realidade de desamor, indiferença, desprezo por um ser tão nobre a quem muitos se julgam superiores. Que ilusão essa a da vã glória de mandar, de poder arbitrário, de falta de humanidade.
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