Turma Formadores Certform 66

Wednesday, October 05, 2022

Triste vida de cão (Versão conto)

Era uma vez... Sim, todas as estórias começam por era uma vez. Esta também. Era uma vez um cachorro bebé que foi dado a uma menina. A menina olhou para ele e gostou. Afinal era pequeno e brincalhão como ela. A família aceitou-a como um brinquedo. Como é normal a menina foi crescendo e a cadela também. A menina quis outras coisas que não brinquedos, o cachorro deixou de ter préstimo e foi descartado. Primeiro pensaram em levá-la para o canil. Depois em abandoná-la num qualquer bosque ou estrada. Mas a consciência acusava e então acharam por bem colocá-la numa casa dum familiar. Primeiro num espaço amplo e em liberdade. Mas como continuava a ser folgazona, logo foi confinado a um outro espaço onde o sol mal chega amarrado por uma corrente para a vida. O animal não percebeu que crime terá cometido para tal sorte. Primeiro dormindo em casa, depois fora, numa casa que ele não conhecia e ainda por cima acorrentado. Cumpre dizer que esta família de acolhimento, apesar de tudo, até está a fazer uma boa ação. Porque evitou que fosse para o canil morrer duma morte horrível ou ser abandonado à sua sorte onde viria a morrer de morte não tanto melhor. Comida não falta nem água. Mas a nossa cadela tem sede doutra coisa, sede de amor, que não tem. Está ali como um objeto, já não o brinquedo que foi noutro tempo. Dorme de dia e ladra toda a noite. Não o ladrar de quem quer guardar o espaço, mas o ladrar dum animal que tem medo, que se sente acossado e que não compreende porquê tudo isto. E ele lá está e estará a gastar os seus dias. Talvez um dia acabe mesmo por ir parar ao tal canil onde a tal morte horrível a espera. Como já aconteceu com os seus antecessores. Até lá ela não compreende como pode ser odioso o ser humano a quem ela dedicou, e dedica, tanto amor. Esta é, de facto, uma triste vida de cão. Esta estória começou como todas as estórias por era uma vez... E se afinal não fosse uma estória mas sim uma triste realidade igual a tantas outras por aí? A triste realidade de desamor, indiferença, desprezo por um ser tão nobre a quem muitos se julgam superiores. Que ilusão essa a da vã glória de mandar, de poder arbitrário, de falta de humanidade.

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