Intimidades reflexivas - 1771
"O avô de alguém que me é querido dizia de uma pessoa boa: É bom como o pão e ao lado disto que maior elogio se pode fazer? A nossa língua torna-se maravilhosa com palavras como estas. É bom como o pão e lembro-me das mulheres que beijavam o pão duro antes de o deitar fora, da minha avó que se horrorizava ao ver um pão ao contrário: punha-o logo direito a pedir desculpa em silêncio, movendo a boca. Sempre me senti bem nas padarias: o cheiro, o lume, os padeiros enfarinhados que eu achava, acho ainda, serem anjos que se transviaram, de braços cobertos por uma poeira celeste. Tudo neles era branco até as sobrancelhas, as pestanas. O olhar branco também. Os gestos. Não olhos cegos, olhos brancos. E eu à porta a espantar-me. O eco das vozes nos tijolos, dos passos, da lenha no forno. Bom como o pão: ora toma, António. Aprende a escrever à maneira." - António Lobo Antunes
0 Comments:
Post a Comment
<< Home