Memórias da juventude
Fui desafiado por um grupo de amigos para partilhar memórias de juventude. Sobretudo aquelas que tiveram a ver com os primeiros amores e as primeiras namoradas. Na minha juventude as pessoas mais novas não tinham tanta proximidade como hoje com o sexo oposto. As escolas separavam os sexos e mesmo na sociedade rapazes e raparigas tinham espaços diferenciados. Só mais tarde é que começavam a ter mais proximidade com o outro sexo. Era o tempo da rebeldia num país atrasado, saloio de gentes e de mentalidades, em que a juventude da minha geração já não se revia. Era o tempo da estar atento aos últimos êxitos de música que vinham lá de fora, às famosas 'festas de garagem' onde aí sim, começavam a despontar os primeiros amores. Os rapazes tinham uma preocupação acrescida que era o receio de serem incorporados num exército colonial onde com 18 anos já se ia para África para matar ou morrer. Quem tinha a possibilidade de estudar, queria aproveitar ao máximo porque quem tinha mais estudos tinha um posto melhor na tropa e talvez evitasse o 'mato'. As preocupações desse tempo eram bem diferentes da juventude de hoje. Mas os amores inevitavelmente lá apareciam. E é este o motivo deste texto. O meu primeiro amor foi uma bela rapariga, chamava-se Judite de olhos negros como a noite e um longo cabelo a condizer.. Era duma alegria contagiante com um corpo de modelo e uma maquilhagem sempre muito bem cuidada. Conhecemo-nos num instituto de línguas com vista a investir no nosso futuro. Isto para além dos nossos estudos curriculares. Estudávamos Francês, Inglês e Alemão. De olhar em olhar, de sorriso em sorriso, lá nos fomos aproximando. Junto dos meus amigos era considerado um sortudo por ter uma namorada de tal beleza. Queriam saber como o consegui, mas tal curiosidade nunca lhes satisfiz. Com ela passei momentos gloriosos daquela cumplicidade das primeiras descobertas de sensações que até aí nos eram estranhas. Num tempo onde tudo parecia mal, a descoberta dos corpos, das carícias, do sexo, eram vistas como algo que era mais indutor do demo do que outra coisa. Num país estupidificado como era o nosso nessa época não poderia ser diferente. Mas voltemos à Judite, minha companheira dos transportes públicos, porque ainda não tínhamos carro, mas também minha parceira nas festas, bailes e outras coisas... A Judite era duma sensualidade enorme, menina bem cuidada, bem formada, oriunda duma família de classe abastada. Mas para ela essas coisas eram secundárias, visto gozar duma grande liberdade familiar, que era uma exceção nesse tempo. Mas apesar do amor que tínhamos um pelo outro, as nossas vidas foram divergindo. Eu entraria em Economia, ela em Medicina. Na Universidade fomos ambos conhecendo outras pessoas e foi inevitável o afastamento. Mas ainda hoje, passados tantos anos, ainda a recordo naquela sagacidade de mulher muito inteligente com quem tive conversas inesquecíveis. Só quem nos marca a ferro e fogo é que resiste ao desgaste do tempo. A Judite resistiu a tudo isso como se vê. Nos dias de hoje a Judite é uma médica conceituada num hospital de referência na cidade do Porto. Tornou-se numa grande médica, como grande é a mulher que a habita. E assim a vida vai-se escoando nos desígnios do tempo.
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