Turma Formadores Certform 66

Monday, February 09, 2015

O significado dos pequenos gestos

Todos sabem da minha paixão pelas caminhadas matutinas, madrugada adentro, faça chuva ou faça bom tempo, frio ou calor. Para além do exercício físico que é sempre salutar, esta atividade também nos leva a conhecer outros pessoas, gestos e atitudes, que por vezes, estão mais escondidas da luz do dia. Desde logo, a quantidade enorme de gente que procura nos contentores, restos que sirvam para qualquer coisa. Objetos para possível venda ou mesmo restos de comida para mitigar a fome, sobretudo, junto dos contentores dos super e hipermercados. Coisas que se fazem pela calada da noite, longe de olhares curiosos, porque a vergonha existe e, mesmo com fome, há que preservar o mínimo de dignidade. Este é bem o espelho do Portugal que hoje somos, apesar do que os políticos verborreiam por aí. Mas hoje, quero aqui trazer, e de certo modo homenagear, um casal com quem me cruzo madrugada dentro quase todos os dias. Pelo trajar vê-se que é gente muito modesta, profundamente carenciada. Ela mais ativa. Ele um pouco deficiente. Também vasculham nos contentores como tantos outros em busca da sua sobrevivência. Contudo, no seu muito velho carrinho de compras onde vão recolhendo o que lhes mais chama a atenção, levam sempre alguma parca comida para distribuir àqueles que, como eles, são desafortunados da vida. Talvez ainda vivendo em piores condições do que eles mesmos. Assim, há sempre algo que se deixa àquele cachorro abandonado que logo aparece quando os pressente na tentativa de mitigar a fome. Quando o dia vai clareando, há sempre algumas migalhas para os pássaros que os rodeiam em frenesim. Um dia não resisti à tentação de os interpelar. A princípio a medo e envergonhados, depois mais soltos, lá me foram contando o seu infortúnio, mas também a alegria que sentem ao ajudarem alguns animais e aves que necessitarão tanto ou mais do que eles. Da vergonha de andar a vasculhar contentores, surge a felicidade que transportam dentro de si, por esse sentimento nobre de partilha com quem tem menos, sejam o próximo, ou um animal, ou uma ave. Depois desse primeiro contacto, cruzo-me com eles quase diariamente. Continuo a vê-los na sua busca sem fim dos contentores, mas também espalhando felicidade aos animais que com eles se cruzam, ou com as aves que os interpelam do alto quando o dia vai abrindo. E é ver a felicidade com que têm estes pequenos, diria, grandes gestos. Normalmente é desta gente simples que partem gestos mais significativos a que outros, como nós, por vezes não damos valor. É com quem tem menos que por vezes temos que humildemente aprender esta e outras lições de vida. Agora que me conhecem, que já trocaram desabafos comigo, é com um sorriso alegre e feliz que me saúdam à passagem. Um gesto de respeito mas sobretudo de cumplicidade. Sabem como os aprecio. Sabem como entendo esta relação que deve existir entre o humano e os outros seres. No fundo eles sentem que no rasgar da madrugada há mais um que os compreende, se solidariza com eles. Não os exclui. Não se afasta com repulsa. Mas alguém próximo e solidário. Poderão não usar perfume Chanel. Poderão não vestir as grandes marcas da moda. Mas têm um enorme coração que deveria ser exemplo para muitos, que embora cheios de bens materiais, de cima da sua costumeira arrogância, não se lhes conseguem igualar. Por esta gente simples está muito acima deles, simplesmente porque entendeu o significado da palavra humanidade. Bem hajam pelo bem que proporcionais a tantos outros. Que a fortuna vos proteja porque bem a mereceis.

0 Comments:

Post a Comment

<< Home