Turma Formadores Certform 66

Thursday, May 14, 2015

Caminhos de Fé e de memória

Estão a decorrer as festas de Nossa Senhora da Hora, hoje uma pálida sombra do que foram há cerca de meio século. Mas ainda há quem reme contra a maré e vá mantendo de pé esta festa de cariz tão popular. Nesta quinta-feira celebra-se o verdadeiro dia da padroeira. Passei por lá, como vem sendo tradição sempre que posso. Fui visitar a igreja antiga, onde os meus pais casaram e eu fui batizado. Para além de mais este caminho de Fé, está uma certa romagem às memórias da minha infância. Esta era uma festa tradicional na minha família, sobretudo no meus avós. Minha avó era daquela localidade e nunca passava um ano sem que lá se fosse. Era o dia de estrear a roupa nova, sobretudo os sapatos, que me angustiavam, porque sapatos novos para caminhar não é a melhor das ideias. Mas era assim, num tempo em que nem transportes públicos existiam para lá. Mas era o tempo de ir ver o duelo de bandas de música que se fazia no adro da antiga igreja, e que ampliou o meu gosto pela música. Era o tempo de algum brinquedo de chapa ou madeira, como eram os brinquedos na época. De vez em quando lá vinha um, porque brinquedos só no Natal. Mas era o tempo de comprar um boneco de barro, mesmo tosco que fosse, para ornamentar a cascata sanjoanina que dentro dumas semanas o meu avô lá iria fazer para meu deleite. Ainda possuo alguns desses bonecos que ornamentam a cascata que ainda hoje se faz na minha casa. Era a altura das farturas e do doce de Teixeira, que só nessa altura se comiam. Era o tempo dum belo sorvete bem fresquinho, antecessor dos atuais gelados que naquela época eram raros. Enfim, tudo isto me passou pela mente neste dia, quando há um par de horas por lá passei. Parece que ainda sentia a mão dos meus avós na minha a conduzirem-me festa fora. Ainda me recordei do tempo em que no domingo seguinte se fazia uma grande procissão altura para os meus avós me empurrarem para a frente para a poder ver, ali bem junto dos cavalos da GNR, engalanados que abriam e fechavam a procissão. Nessa época ainda mal chegava à barriga da alimária que me parecia gigantesca. Era um outro tempo, um mundo bem mais pequeno e pobre, mesmo miserável mas, apesar de tudo, talvez mais feliz. Porque as gentes eram na sua maioria muito pobres, nesta quinta-feira de festa, reuniam-se na capela anexa à igreja antiga para tomarem aquilo que chamavam "o remédio" que não passava dum purgante para as lombrigas que eram muito usuais nas crianças da época. E como era gratuito aí lá se reunia uma pequena multidão de mães com as suas crianças. Hoje mergulhei no meu passado mais profundo. Uma romagem de memória e de saudade. Eram tempos difíceis, bem mais do que os atuais apesar da crise. Era um mundo pequeno, triste e faminto. Eu sentia-me um privilegiado face aos outros. Tinha coisa que os outros não tinham. Mas mesmo assim, essa era uma época especial porque o colorido das barracas iludiam as crianças que nessa época só viam algo semelhante no Natal. Quando vim embora ainda passei pela igreja nova, a principal perto do Continente. E lá voltaram de novo as memórias. Vi ela a construir-se. Fui lá com o meu avô ver a erguer a torre sineira, que era algo pungente para a época. Foi a romagem de alguns domingos de manhã, eu e o meu avô sempre por perto. Hoje percorri os meus caminhos de Fé, mas também de saudade dos meus ausentes que, por momentos, parece que ali estiveram comigo. Foi um caminho de memória cheio de memórias. Foi o voltar à minha infância mais profunda e feliz.   

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