Tristes estórias do dia a dia (ou o caminho espinhoso dos animais)
É sabido o meu grande empenho e amor pelos animais, sobretudo, por cães que comigo convivem desde que me lembro. Mas o meu amor pelos animais vai muito para além de cães. Por isso, hoje vos trago uma triste estória duma gata que alimento vai para vários anos. Ela pertenceu, tanto quanto me disseram, a uma senhora já idosa, e que, fruto da sua idade e posteriormente do seu desaparecimento, foi deitado à rua como tantos outros. Por cá começou a andar. Via-mo-la vaguear por aqui e ali, na busca de comida. Apiedamo-nos dela. Começamos a dar-lhe de comer em cima dum telhado anexo da nossa casa. Ela começou a perceber e a vir. Dia após dia. Já sem dentes, ou com muito poucos, comia com dificuldade. Começamos a dar-lhe paté mais macio e fácil para ela mastigar. Várias vezes ao dia nos procurava na busca de alimento. Parecia que nunca estava satisfeita. E nós lá lhe retribuíamos. Começou a ficar mais gordita e anafada. Depois do repasto, ou deitava-se ao sol nas vizinhanças, ou ia para um muro duns vizinhos. Talvez porque por lá obtivesse mais alguma coisa. Estes deixaram de lá viver, talvez por isso, ou talvez não, ela deixou de frequentar esse muro. Apenas os telhados mais próximos da nossa casa ela passou a frequentar para que, logo que nos via, vir pedir comida, pedida com um miar abafado, quase surdo, que a voz já não lhe saía nítida. De há uma semana para cá, desapareceu. Deixamos de a ver e o pressentimento de que algo lhe tinha acontecido era cada vez maior a cada dia que passava. Por fim, lá aparecia, deitada ao sol num telhado próximo, mas não buscando a comida. Apenas levantava a cabeça mas não vinha comer. Anteontem, porque ela procurou um telhado mais próximo, colocamos uma escada para ver o que se passava. Estava magra, mal nutrida, com sintomas de possível envenenamento. Afagá-mo-la, tentamos pegar-lhe para a socorrer mas não deixou. Olhou para a comida que recusou e afastou-se lentamente, com visível dificuldade em caminhar. Desde esse dia nunca mais a vimos. Talvez já estivesse tão fraca que não pudesse subir para os telhados. Talvez esteja moribunda numa morte lente e atroz. Talvez já tenha morrido, o que seria o melhor para lhe evitar mais sofrimento. Seja como for, esta gata sem nome conhecido, vítima de abandono após o desaparecimento da dona como tantos outros, acabou por ser mais uma vítima da ignomínia humana. Deverá ter comido pouco do eventual veneno o que fez com que não tivesse sido logo fatal. Veneno que mão assassina a coberto do habitual cobarde anonimato, espalha por aí. Algo que é muito comum nesta zona ao que ouço dizer. Tinha a leve sensação de a poder recolher, mas só quando não tivesse mais nenhum cão, porque o que tenho não a aceitava, nem à distância. Mais uma estrela no céu, espero que brilhe com mais intensidade na proporção do seu sofrimento mostrando a verdadeira dimensão da baixeza humana. Só espero que já tenhas partido e que estejas finalmente em paz. Fizemos o que pudemos face às circunstâncias. Mas era preciso mais, muito mais. Descansa em paz!
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