A indiferença
6,00 da manhã. Já o dia tinha rompido há muito. Como habitualmente estava na estrada no meu habitual exercício matutino. A cerca de 2 quilómetros de casa, um pobre ser é atropelado. Indiferente o condutor segue o caminho. Afinal era apenas um gato. Outro atrás abranda para se desviar do corpo mas segue a sua marcha. Afinal era apenas um gato. O que mais me chocou foi a indiferença com que os poucos que àquela hora andavam na rua nem reparavam no que se estava a passar. Vou-me aproximando rapidamente do local, vejo este ser, que um dia foi ágil e forte, de bela plumagem, e que jazia no asfalto. Aproximo-me dele para o retirar da via. Ainda chego a depositá-lo na berma, parecia-me já morto. Depois verifiquei que estava com ligeiras convulsões, ainda respirava embora a custo. Interrompi a minha atividade para o socorrer. Peguei-lhe cuidadosamente ao colo e trouxe-o para casa. Vi que estava em estado de choque. Àquela hora não havia ninguém para o socorrer. Tentei chegar o mais rapidamente que pude a casa. Ele estava mais fraco e ainda em choque. Começou a perder a vitalidade. Pouco tempo depois morreu. Este ser de bela plumagem, que um dia foi ágil e talvez feliz, jazia aqui ao meu lado. Indiferente ao que o rodeava, ao mundo de que já se tinha libertado. Não sei se tinha dono ou não. Sei apenas que me parecia bem alimentado. Não sei se foi feliz ou não. Não sei se teve uma vida sofrida ou não. Não sei se tinha nome ou não. Para mim, talvez isto seja até irrelevante. Ele era algo que respeito muito. Uma vida igual a qualquer um de nós. Um ser que nasceu e viveu para glorificar esse mesmo mistério da vida. Morreu vítima da ignomínia humana. Dum ser que como atropelou este animal e o deixou a sofrer, também o faria com algum da sua espécie se o atropelasse. Ou talvez não, porque o receio da tal justiça o assustasse. A mesma justiça que acha que um animal é uma coisa e que não pune estes seres criminosos que se sentem gente apenas por terem um volante nas mãos. Se não fosse assim, talvez a atitude de gente rasteira como esta fosse outra. Se quem o fez está a ler estas linhas, pois fique sabendo que para mim, é apenas um ser ignóbil, rasteiro, um criminoso que anda na estrada. Um ser sem sentimentos e sem moral. Um ser bem menos digno do que aquele a quem tirou a vida. Esse gato é bem mais digno de pena do que você. Estúpido condutor! Este ser é o que de melhor o mundo tem. Bem longe do lixo social que você é. E mesmo que apareça ao volante dum belo carro, usando roupas de etiqueta e da moda, pois nem mesmo assim, o faz melhor. Porque quem chafurda no esgoto, nunca perde o cheiro fétido porque mais perfumes de qualidade que use. Mas este ser que talvez não tenha tido nada de relevante na vida, terá na morte uma sepultura digna. Junto dos meus animais que como ele, são o melhor que tenho. Ele terá o amor de pessoas que não o conheciam, sentirá na sua morte, que há humanos bem diferentes de outros que por aí incomodam o universo. Ele terá aquilo que talvez você, estúpido condutor, não venha a ter, ele terá muito amor na hora da despedida.
0 Comments:
Post a Comment
<< Home