Turma Formadores Certform 66

Monday, July 11, 2016

O sonho

Já noite dentro. A canícula do dia ainda a fazer-se sentir. A pacatez da noite é quebrada. Foguetes rompem o silêncio ricando-o com o seu silvado. Os de artifício incendeiam os céus. Os cães ladram pela surpresa dum sossego interrompido. Nas ruas torrentes de gente gritam em euforia. Agitam bandeiras. Caras pintadas como se fossem assaltar uma fortaleza, há quem fale de vingança e já imagino Afonso Henrique de espada em punho, outros falam de conquista e parece-me que vejo D. Henrique a traçar rotas nas cartas de marear, outros ainda falam de glória e imagino a faustosa corte de D. Manuel I. Desço à rua a perguntar o que se está a passar. Sou empurrado e quedo-me sem resposta. De encontrão em encontrão fico sem saber o que se passa, mas vejo o meu povo em festa. Vejo um país redimido. Será que o défice e a dívida com que nos aterrorizaram não existia e que apenas fomos vítimas dum logro? Será que o crescente desemprego era apenas forjado e os novos e jovens emigrantes afinal, nunca tinham abandonado esta terra? Enquanto me interrogava sobre tudo isto, um rio de povo, do meu povo, corria sem saber onde ia desaguar. Afinal para quê saber onde se vai desaguar nesta euforia. Rostos com esgares de alegria, suados, jubilosos. E eu que continuava sem perceber. Parecia que era o único que não percebia esta surpreendente redenção da minha nação, do meu povo. Como até aí não consegui respostas sobre o que estava a suceder, resolvi entrar na festa. Afinal o meu país não era tão mau quanto diziam e o futuro abria-se luminoso, nesta terra de leite e mel. Para me redimir de ter estado tanto tempo afastado de tanto festejo resolvi começar pelo impensável, dar aquele salto no vazio, pungente, determinado. Onde o finito e o infinito se cruzam, sem sabermos onde começa um e acaba o outro. Foi então que depois daquela sensação de vertigem, um forte estremeção sobreveio e acordei. Olhei à minha volta. A noite continuava tranquila. Os cães dormitavam. Tudo continuava igual, nos mesmos lugares de sempre. Tudo igual. Que raio! Que se teria passado? Continuávamos pobres, a viver à custa do alheio. Acossados pelos credores. Pressionados pelo resto do mundo. Afinal, toda esta euforia... não passava de um sonho.

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