O papado para além da religião
A vinda a Portugal na semana passada do Papa Francisco, fez-me refletir da importância deste homem sobre o pensamento do mundo e como está a influenciá-lo. Aquelas atitudes que estão, quase sempre, para além da religião. Porque falar dos papados não significa sempre falar de religião. O papa é um chefe de Estado e como tal tem associado a ele todas as vertentes que um cargo desta natureza implica. E enquanto pensava sobre isto, dei comigo a refletir sobre todos aqueles que passaram pela minha vida. Conheci-os apenas pelos jornais ou pela televisão, exceto João Paulo II, que conheci pessoalmente em Portugal aquando da sua vinda, depois de já o ter visto no Vaticano. Mas voltemos aos papas da minha vida! Desde logo, aquele que teve uma influência maior na viragem da Igreja Católica, João XXIII, com toda a força de renovação vaticanista impondo o Concílio Vaticano II. Não assistiu à sua conclusão, mas a pedra estava lançada e quando morreu era impossível o retrocesso. Ainda me lembro de ainda uma criança, ver o meu avô com o ouvido colado ao rádio para escutar as novidades que vinham de Roma. E eu, criança, que não percebia nada do que estava a acontecer, nem da influência que teria no mundo em que eu iria viver, lá ia tagarelando para desagrado do meu avô que não conseguia ouvir nada. Mais tarde, aparece Paulo VI uma espécie de teorizador das questões da Igreja, mas com uma grande abertura ao mundo. Era um papa verdadeiramente democrático, aberto aos movimentos de libertação que então proliferavam, e tendo uma atitude crítica às ditaduras. Quando veio a Fátima, não quis aterrar na capital para não dar, com essa atitude, azo a qualquer forma de aproveitamento político. Vivia-se então em ditadura e a guerra colonial estava a causar mossa. Daí que o ditador e o seu chefe de Estado tivessem que ir a Fátima para o receber. Teve uma influência muito importante na abertura aos novos países que estavam a surgir. Mesmo a chamada teologia da libertação que começava a fazer o seu percurso na América Latina, (liderada pelo bispo brasileiro D. Hélder Câmara), gozava da sua simpatia. Penso que ainda não se estudou bem a fundo a sua influência no tempo em que viveu, bem como, nas implicações que daí adviriam para os seguintes. Seguir-se-ia João Paulo I - o bispo de Veneza - que morreria prematuramente com apenas 33 dias de papado. Não teve influência dado o seu curto mandato, mas deixou no ar algo que, até hoje, são dúvidas, incertezas, - até uma certa teoria da conspiração em torno da sua morte -, nunca bem esclarecida até aos nossos dias. Seguir-se-ia algo de novo a vinda de João Paulo II. Desde logo, e depois de muitos séculos, era o primeiro papa não italiano. Vinha do leste, - da Polónia , muito ligado à corrente sindical Solidariedade, um anti comunista convicto. E foi aí que o seu papado ficou marcado. Foi no seu reinado que o comunismo da antiga União Soviética viu os seus dias terminar. A queda do muro de Berlim. A configuração do mapa com novos países e novo arranjo político. Um papado marcado muito claramente pela política. A seguir assistimos à vinda de um novo papa europeu, Bento XVI. Teria também um curto reinado vindo a resignar - algo que já não se via à séculos - sendo a segunda vez que tal aconteceu. Era um teórico, um pensador. Talvez o seu lugar não fosse bem o papado, mas sim, mais o estudo, a reflexão, a teorização. A influência, embora curta, centrou-se essencialmente ao nível do pensamento. Algo que ainda não temos bem a exata dimensão, tal qual, ainda não foi bem percetível o porquê da sua resignação. Até que chegamos ao atual, Papa Francisco. Um papa que 'veio dos confins do mundo' para usar a sua própria expressão. Um papa que tem feito uma verdadeira revolução em torno de alguns privilégios - e privilegiados - dentro da Cúria. Algo que, ao que se diz, não lhe tem trazido grande popularidade entre os seus pares, a constrastar com a grande proximidade com o povo mais humilde, que faz dele uma espécie de 'estrela pop' onde quer que vá. Dizem que ele é o pastor. E penso que há muita razão nisso. Não só na forma como quer dignificar e moralizar a Igreja, mas na maneira como aglutina as gentes, quer sejam católicas ou não, num ecumenismo inter religioso que à muito não se via. Muitos papas, muitas formas de pensar e, sobretudo, de atuar, que sem que demos por isso, vão influenciando o mundo à nossa volta. É que quando se fala de papado temos logo a tentação fácil de pensar em religião e, provavelmente, estaremos bem longe disso. Hoje mais do que nunca, é visível essa vertente duma diplomacia quase invisível, discreta. mas muito eficiente, que vai desenhando o mundo, arranjando as nações, traçando as fronteiras, buscando os equilíbrios possíveis e, por vezes, controversos.
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