As rasteiras da semântica e não só para além de outras estórias
Os caminhos da semântica por vezes são ínvios e arrasta os incautos para falácias que por vezes se tornam ridículas. Tudo isto a propósito de algumas coisas que se vêem nas redes sociais e que discutia com uns amigos à dias. Tudo sublinhado com uns sorrisos que a semântica nos proporciona. Comecemos por algo que vemos com mais regularidade que para muita gente é um insulto e, de facto, é-o mas para quem o profere. Umas das potenciais, daqueles que defendem o 'quem não é por mim é contra mim' é chamar de 'vermelho' o outro. Antigamente era 'guy', - ou algo semelhante -, mas como agora até já está na moda, há que inventar outro. Vai daí o 'vermelho'. Isso pode até dar origem a piadas hilariantes. Vejam por exemplo se estivermos na onda do futebol. Chamar 'vermelho' é sinónimo de benfiquista. Como o Benfica tem muitos sócios e simpatizantes, se estes todos se juntassem num determinado local por um qualquer desígnio, e porque seriam sempre muitos, logo haveria quem dissesse 'aí vem o exército vermelho'! Estão a ver a trapalhada em que caíamos. Mas encaminhe-mo-nos para coisas mais sérias. Outra mito comum é a de apoucar o outro de 'marxista'. Tudo puro engano. O pensamento de Marx e Engels entronca na chamada 'Escola de Frankfurt' seguida mais tarde por Nietzsche, e ainda mais tarde - e já no século XX - por Heidegger e o seu existencialismo, a fenomenologia de Husserl e a ontologia de Hartmann. Aliás, o chamado 'materialismo dialético' - que é associado a Marx - já tinha sido formatado por Hegel anos antes e Marx só o veio a sistematizar mais tarde. A escola filosófica alemã deu um grande contributo para o pensamento ocidental sobretudo entre os séculos XIX e XX. (É importante aqui dizer que muito do que é hoje a filosofia dita ocidental acrescida por alguns países orientais de inspiração ocidental se baseiam nestes princípios. Nem os EUA fogem à regra coisa que qualquer estudante dos primeiros anos de Economia bem sabe). Se querem atingir alguém não fiquem só pelo termo 'marxista' mas sim, 'marxista-leninista'. Porque foi Lenine que se apoderou da filosofia destes alemães - segundo a minha opinião, distorcendo-a - que daria origem aquilo que veio a ser o 'comunismo' de triste memória. Já agora, quem pretende insultar em sentido contrário com o já gasto epíteto de 'fascista' ou 'nazi' também não fica lá muito favorecido na fotografia. Estas ideologias entroncam naquilo que habitualmente se chama de 'nacionalismo' - mas é preciso cuidado com os ismos - porque alguns autores também aí colocam outras geografias ideológicas. Uma confusão! Mas o ser-se 'nacionalista' é algo que não é linear, senão vejamos. Quando se estava a lutar pela unificação daquilo que é hoje a Itália, movimento liderado por Garibaldi, toda a gente que apoiava a unificação era tida por 'revolucionária' e não por 'nacionalista'!!! Quem gosta de música - sobretudo clássica - sabe que o grande compositor italiano Verdi estava ao lado deste movimento nacionalista/revolucionário(!) e que as letras do seu nome eram utilizadas para pichar as paredes contra os da situação era o tempo de 'Vitor Emanuel Rei De Itália' (VERDI). O mesmo se pode replicar noutros países até entre nós. Uma coisa que aprendi logo no primeiro ano de faculdade é que a 'geometria política' não existe como um dado definido, dependendo da situação e da latitude onde se está. O ser comunista na Europa ou na América Latina são coisas bem diferentes de um lado e do outro, como o ser social democrata em Portugal, por exemplo, é quase um anátema num país como os EUA. Isto dos ismos tem muito que se lhe diga e a semântca - sempre ela - por vezes vai tolhendo o nosso raciocínio. Daí que aquilo que pode ser dito como um 'insulto' a alguém pode ser afinal algo bem diferente, dependendo a quem é dirigido e como é dirigido. Mesmo dentro dos 'nacionalismos' há variantes como já viram. Por exemplo, cito um caso que é bem nosso, e utilizo uma figura muito falada e discutida entre nós - embora infelizmente pouco estudada - como é Fernando Pessoa. O maior escritor e poeta depois de Camões não está isento de polémica. Todos sabemos que era um nacionalista e para isso basta ler alguns dos seus escritos. Mas ele nunca foi uma figura idolatrada do regime anterior, bem pelo contrário. Tudo isto não parece demasiado estranho? É que 'nacionalismo' 'tout court' ou um outro ismo qualquer 'tout court' não existe nesse estado de pureza. E já que falei em Camões - um nome que todos conhecem - (será que alguém se lembra dos nomes - ou no mínimo do nome do algoz - que o torturou na polé?) - cantando ele a glória da sua pátria e das suas gentes porque foi rejeitado pelos poderes de então? Muito havia ainda a dizer e muitos exemplos a dar, mas não me vou alongar porque o texto já vai extenso. O que me interessa aqui é alertar para as rasteiras da semântica que pode ter significados bem diversos - até caricatos - consoante a quem é dirigida ou à latitude em que é lida. A semântica - como se costuma dizer da língua portuguesa - é muito traiçoeira.
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