Intimidades reflexivas - 1134
"O avô de alguém que me é querido dizia de
uma pessoa boa: É bom como o pão e ao lado disto que maior elogio se
pode fazer? A nossa língua torna-se maravilhosa com palavras como estas.
É bom como o pão e lembro-me das mulheres que beijavam o pão duro antes
de o deitar fora, da minha avó que se horrorizava ao ver um pão ao
contrário: punha-o logo direito a pedir desculpa em silêncio, movendo a
boca. Sempre me senti bem nas padarias: o cheiro, o lume, os padeiros
enfarinhados que eu achava, acho ainda, serem anjos que se transviaram,
de braços cobertos por uma poeira celeste. Tudo neles era branco até as
sobrancelhas, as pestanas. O olhar branco também. Os gestos. Não olhos
cegos, olhos brancos. E eu à porta a espantar-me. O eco das vozes nos
tijolos, dos passos, da lenha no forno. Bom como o pão: ora toma,
António. Aprende a escrever à maneira." - António Lobo Antunes
0 Comments:
Post a Comment
<< Home