O Repinhas morreu
Soube à minutos que o meu querido Repinhas morreu. Morreu no fim do mês passado tanto quanto fui informado. Veio-me logo à memória tudo aquilo que ele passou desde que nasceu, o muito que sofreu, as muitas lágrimas que chorei por ele e pelo resto da matilha que alimentei durante 17 anos. Lembro-me bem desse ser pequeno, frágil mas alegre na sua miséria e inocência. Sei o que ele passou, tal como os outros, quando roubavam a ração que lá deixava. Lembro-me da água adulterada com excrementos humanos em dias de canícula, só para que não bebessem. Sei das vezes que andou fugido quando pessoas sem coração chamavam o canil para o levar. Sei do que sofreu nas intempéries, como naquele dia em que o vi coberto de geada, ele e a sua mãe Sheila, a tiritar de frio em cima dum sofá velho. Lembro-me como lhe limpei as costas, a ele e à mãe, e do olhar agradecido que me enviaram. Lembro-me de tanta coisa que aqui nem quero recordar por tão doloroso que é. Lembro-me como, nas semanas que antecederam o seu resgate, ele me procurava e logo vinha a correr quando me via. Como deixava que eu o afagasse. Talvez só eu o fizesse, mas disso não tenho a certeza. Depois do resgate foi para à longínqua Bragança e depois para Macedo de Cavaleiros. Lá ficou com outros amigos vítimas do infortúnio como ele. E espero que tenha tido um fim de vida digno. Porque o merecia pelo muito que sofreu numa vida dura e desgraçada com que o destino o brindou. Na altura não podia ficar com ele. Quando tive condições para tal, já ele estava integrado num outro grupo em Macedo de Cavaleiro. Hoje o meu coração sofre. Hoje o meu coração chora. Dirão era apenas um cão. Para mim era muito mais do que isso. Gostaria de saber quantas pessoas teriam a resiliência para enfrentar o seu destino como ele teve. Aqui, bem longe do local onde terminou os seus dias, sofro. Só me resta a esperança de que tenha passado a ponte do arco-íris e esteja num lugar melhor. Junto da sua família, junto dos seus semelhantes. Aquela família que conheci e por que tanto lutei. Um obrigado à Margarida Ferreira por me ter ajudado a resolver este problema que me parecia insolúvel. Um obrigado à Cris Pinto pela adoção deste ser infeliz mas lutador e combativo. Hoje é um dia de luto para mim. Descansa em paz, Repinhas!
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