A democracia em causa
Temos vindo a assistir a um verdadeiro circo mediático em torno da detenção de José Sócrates. Todos sabemos que é sempre assim quando alguém com maior visibilidade cai nos tentáculos da justiça. E desde logo um homem como Sócrates que desencadeia as mais variadas paixões, - quer sejam a favor ou contra -, ainda mais justificada essa mediatização se torna, embora ache que a justiça deveria ser praticada no recato para salvaguardar todas as pessoas, sejam elas quais forem, de julgamentos em praça pública que, queiramos ou não, acabam por, direta ou indiretamente, condicionar a própria justiça transformando um arguido no mais vil criminoso. Mas não era a esta situação de Sócrates que me interessa agora, mas mais os muitos casos que têm vindo a lume nos últimos meses. Concordemos ou não, eles estão a minar os alicerces do regime democrático, embora pareça que ninguém ainda não deu por isso. Ontem, voltando ainda ao caso Sócrates, todos vimos através das televisões que quando o arguido chegou ao Campus da Justiça havia um grupo de gente organizada com bandeiras e palavras de ordem. Não sei se viram de que bandeiras se tratavam. Eram do PNR (Partido Nacional Renovador), uma organização acoitada à extrema-direita, saudosa dos tempos da PIDE torcionária e da cacetada. Isto é muito preocupante. Daí o não achar que esta mediatização seja boa na justiça, indo até, ao arrepio de negar ao arguido os seus direitos de cidadão indiciado mas não formalmente acusado e muito menos condenado. Todo este circo apenas serve para dar a ideia aos cidadãos de que o regime está podre, que não se pode confiar nas instituições - sejam a banca (BES, BPN, BPP), seja nas polícias (SEF) - e quando isso acontece o pacato cidadão, que só quer a sua tranquilidade e trabalho para ganhar a vida, pensará em outras saídas onde pensa que ficará a coberto de tudo isso. Assim, começam as ditaduras, nem sempre com botas cardadas, mas muitas vezes, com chinelo ataviado para não assustar os incautos. Aqueles que têm um pouco mais de idade, ainda se lembrarão do que aconteceu em Portugal, quando a República chegou a uma encruzilhada, onde apenas uma solução musculada parecia a saída que a maioria do povo acolheu. Depois deu no que deu. Por isso, fico sempre com um certo sentimento de estupefação quando vi um idiota que cantava laudas à detenção de Sócrates, não percebendo que para o bem e para o mal, ele tinha sido primeiro-ministro de Portugal e figura que representou o nosso país no mundo. Esse idiota poucos o conhecem por cá, e lá fora nem sabem da sua existência, mas Sócrates é conhecido por ter sido o rosto do país durante vários anos. E que essa idiotice tivesse partido dum deputado da Nação, pago com os nossos impostos, e que se calhar quando deixar de o ser, nem profissão terá, é lamentável. Porque por ser deputado deveria ser um pouco mais inteligente e ver que é o regime que começa a colapsar e que quando tal acontecer, ele fugirá rapidamente daqui como rato em navio naufragado. A sua juventude será talvez uma atenuante, que também levará a que pense que só existe democracia e que esta nunca será posta em causa. Mais uma grossa idiotice não percebendo que a democracia vale muito pouco para o povo quando este não tem comida na mesa nem dinheiro para a comprar. E aquilo que parece natural e adquirido não passará duma quimera. Assim, penso que é tempo de os partidos pensarem que para além de todo este circo mediático, que porventura vende jornais e dá audiências televisivas, é a sua própria sobrevivência que está em jogo. Porque onde não há democracia os partidos são descartáveis, tenham eles idiotas ou não nas suas fileiras. E nessa altura já será demasiado tarde para arrepiar caminho.
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