Turma Formadores Certform 66

Wednesday, November 26, 2014

Um abalo ou um reforço da democracia?

Ainda o caso Sócrates a ocupar as páginas dos jornais. Divulgo aqui um excelente artigo de Ricardo Costa publicado no Expresso sobre este caso e sobre uma certa nebulosidade que o envolve.

"Por muito que a prisão preventiva de José Sócrates choque muita gente, se o caso for sólido, se a investigação tiver fortes indícios e se a acusação for correta e ponderada, isto não é um abalo para a democracia. Bem pelo contrário, se todas estas premissas forem cumpridas, pode ser um reforço da democracia. O pior que pode haver para uma democracia é existirem atos de corrupção impunes. Mas atenção, há uma coisa ainda pior para a democracia: prisões decretadas sem razão conhecida, acusações por dedução e condenações em caso de dúvida.

E é exatamente aqui que estamos, numa fina fronteira entre o que existe - uma detenção, uma prisão preventiva e um rol de crimes graves - e o que não existe - o quem, o como, o onde e o o porquê é, já agora, o quanto. Era bom sabermos isto, mas arriscamos meses e meses de total ou relativa ignorância.

A Justiça tem direito a isso, a manter-nos na relativa ignorância. Mas não tem direito a manter os arguidos nessa situação. E muito menos tem direito a pôr coisas a circular que são falsas. O que os portugueses querem - os que gostam de Sócrates, os que o detestam, os que lhe são indiferentes e a enorme maioria que apenas quer que a Justiça exista -, o que os portugueses querem, repito, é que não lhes atirem para cima, meias verdades, narrativas insufladas e factos que, no essencial ou no enquadramento, são falsos.

Olhemos para o caso com objetividade e frieza. Temos um processo de corrupção, em que presumimos que José Sócrates é o corrompido e o seu amigo Carlos Santos silva o corruptor ativo. Supomos que o motorista tenha papel ativo no processo de branqueamento de capitais e que o advogado que saiu em liberdade ajudou em compras ou vendas de imóveis que facilitaram a entrada de dinheiro no circuito "legal". Presumimos, supomos e até achamos, por dedução imediata, que a origem estarão nalguma adjudicação de uma obra pública ao Grupo Lena, de que Santos silva foi administrador, em Portugal ou até no estrangeiro, onde o grupo tem mais de metade da sua faturação.

Repito alguns verbos do parágrafo anterior: presumimos, supomos, achamos e deduzimos. Mas não fazemos isso por gosto, fazemos porque é o que temos. E é neste ponto que a Justiça tem que ter um enorme cuidado. E, já agora, respeito. Não é com os políticos ou os jornalistas, é com os portugueses. A base da democracia não são os políticos, nem os juízes, muito menos os jornalistas. São os portugueses, que não são parvos, que sabem viver em democracia e que têm direito a saber o que existe, na medida em que isso seja possível e no prazo mais curto possível.

Este é o ponto que mais me preocupa. Ontem, o juiz Carlos Alexandre decretou a "especial complexidade do processo". Com essa simples decisão, o prazo limite para um período de prisão preventiva sem acusação judicial passou de 4 para 12 meses. Ou seja, essa simples decisão dilata todos os prazos e eleva o teto máximo de uma condenação em primeira instância para 30 meses. Ou seja, com elevada probabilidade, José Sócrates só terá que ser condenado ou absolvido daqui por 30 meses.

Mas o caso será assim tão complexo? Se todos os arguidos estiveram sobre escuta e vigilância e se todos os movimentos e documentos foram confiscados, qual é a complexidade? Os casos de corrupção podem ser muito complexos, mas também podem ser incrivelmente simples. Alguém paga a alguém para lhe prestar um favor e paga por isso. Ponto. O dinheiro vai para o estrangeiro e depois entra no circuito legal. Ponto. Há dados para deter e, depois, prender? Então, avancemos depressa para uma acusação sólida.

Concluo no ponto onde comecei. A prisão preventiva de um ex-primeiro-ministro não tem que ser um abalo para a democracia. Pode, até, ser um reforço da democracia. Mas isso, agora, depende de uma forma brutal dos agentes de Justiça, que deviam trabalhar depressa e de forma sólida para encurtar ao máximo os prazos de acusação e julgamento. Não por respeito ou temor a José Sócrates, que não está acima de qualquer outro preso preventivo. Mas por respeito e temor absoluto à democracia."


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