Sobre a precariedade da vida
Ontem fui ao funeral duma idosa - já com a veneranda idade de 95 anos - minha vizinha há muitos anos atrás, mas que também há muitos mais, de cá saiu para um lar onde esteve quase um quarto de século (faria 25 anos no próximo mês de Agosto). Pela idade não seria surpreendente a morte, talvez até o fosse mais o manter-se entre os vivos. Mulher que lutou muito pela vida. Ficou viúva aos 45 anos, com três filhos menores. Nunca mais casou. Foi mãe e pai, lutando pela subsistência da sua prole. (Ajudou muitas crianças a nascerem numa altura onde a saúde era muito precária. A qualquer hora do dia ou da noite ela lá ia assistir as parturientes. Não foi mais além apenas porque era analfabeta, numa época em que só iam à escola as pessoas mais abastadas e raramente mulheres). Mas tudo isto poderia ter acontecido com qualquer outra pessoa. Mas este féretro despertou em mim uma reflexão que há muito povou-a o meu espírito, quando vou ao cemitério visitar os meus muitos ausentes. É que para além daquela linha do solo, tudo o que está para baixo é igual. Não existem títulos ou benesses que passem para além dela. É provavelmente o único sítio em que todos somos verdadeiramente iguais. (Embora possamos ir embalados em caixas mais ou menos sumptuosas). Esta é uma reflexão que não devemos perder de vista. Sendo certo que, quando saímos desses locais, logo nos esquecemos. Por distração, ou por incómodo, acabamos por varrer estas ideias da mente. Mas a verdade irrefutável da situação permanecerá, queiramos ou não, com toda a sua pujança. Porque para além das dificuldades da vida, - como foi o caso desta senhora -, face à facilidade de outras vidas, que como se não bastasse, ainda olham sobranceiramente para aqueles que menos têm, não passa de atitude vã, sem sentido. Embora cada um de nós cultive o sentimento de imortalidade, mais cedo ou mais tarde, perceberemos que não é bem assim, melhor, que nunca é assim. Daí a inutilidade de tantas lutas, conflitos, insultos, sobranceria. Afinal tudo isso não passa duma terrível ilusão que o tempo se encarregará de nos mostrar. À Dona Maria Rosa - era o nome da senhora que ontem se despediu do mundo - apenas lhe desejo muita paz, lá onde estiver, depois duma vida sofrida e sofredora. Quanto à reflexão que aqui me trouxe, é melhor que a não escondamos debaixo do baú do tempo. Um dia teremos que ir lá buscá-la. Inevitavelmente. Inexoravelmente.
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