Turma Formadores Certform 66

Monday, April 06, 2015

O culto da estupidez

Meus amigos, confesso que estou cada vez mais desiludido com aquilo que vou vendo no meu país. A impreparação, a falta de cultura, é algo que dói. Um país sem cultura é um país amorfo. Sem memória e sem sentido crítico. Talvez por isso se venha cultivando esta situação duma forma tão desabrida. Esta semana que está a findar, foi uma semana triste para Portugal. Perdemos três figuras - cada qual no seu "métier" - de grande gabarito. Começamos pela perda do grande poeta Herberto Helder, - um dos maiores ao nível de Pessoa ou Camões -, depois, o cineasta Manoel de Oliveira - figura que caminhou muito à frente do seu tempo e que ainda passará algum outro até que a sua obra seja apreciada -, e o economista Silva Lopes - eminente professor e técnico de elevada qualidade a quem muitos de nós devemos muito do que sabemos -, três marcos muito importantes num país tão pequeno como o nosso. E chegado aqui, até parece que deveria estar feliz. Mas não estou. Desde logo pelas perdas. Depois pela ignorância que campeia neste país junto da juventude - a geração mais instruída e culta desde sempre - como é suez dizer-se. Mas, como venho afirmando há muito tempo, instrução e cultura são coisa não coincidentes. Podemos ter pessoas com elevada instrução e pouquíssima cultura e vice-versa. Tudo isto a propósito duma entrevista de rua feita por um dos canais de televisão, a quando da morte de Manoel de Oliveira. Depois de ouvir opinião de vários transeuntos portuenses - as entrevistas tiveram lugar no Porto - eis que o insólito (ou talvez não) aconteceu. Um jovem é entrevistado, aparentemente pela maneira como fala parece ter alguma instrução, mas quando confrontado com a pergunta: "Que representa para si a morte de Manoel de Oliveira?" O nosso jovem fica perplexo, tenta ainda congeminar do que se trata, do que fala o entrevistador, mas como não saía nada, pergunta ao jornalista para embaraço deste: "Não estou a ver. Manoel de Oliveira? Não conheço. Não terá por acaso um outro nome?" Santa ignorância. Até o jornalista ficou sem palavras no direto - as coisas dos diretos são terríveis - e afastou-se sem dizer nada. Talvez nem soubesse bem o que dizer sem se tornar grosseiro. Mas não fiquemos por aqui. No dia seguinte, o do funeral do cineasta, um outro jornalista dum outro canal televisivo, tentou entrevistar o diretor do Instituto do Cinema Francês, e aí foi o descalabro. É que o nosso jornalista não sabia falar francês, apenas algumas palavras dignas dum qualquer emigrante que estivesse à poucos dias no país gaulês. (É importante sublinhar que estes jornalistas têm uma formação académica superior o que torna esta situação ainda mais confrangedora). De facto, estamos perante um terrível paradoxo. Temos a geração mais qualificada, - em termos académicos -, mas continuamos a ter uma geração aculturada. Isto é bem a imagem do ensino neste país, na falta de exigência nas avaliações, onde qualquer ignorante passa mesmo que nada saiba. Primeiro porque só existem exames de longe a longe, depois porque se se fizesse uma avaliação correta, teríamos uma espiral de chumbos. Como me lembrei duma velhinha que há algum tempo atrás me abordou numa livraria sobre a encerramento duma outra famosa em Lisboa, e me dizia: "Isto é um país de ignorantes. Não costumo ver os concursos televisivos - a que chamava "concursos da treta" -, mas há dias pus-me a ver um. As perguntas eram do nível da minha 4ª classe, e aqueles jovens com formação superior não sabiam. É uma vergonha. Que andam estes jovens a fazer nas escolas?" Aqui podem-se culpar também os professores, mas a estes, talvez no seu tempo de alunos, tivesse acontecido o mesmo, o que significa que estamos num verdadeiro carrossel de ignorância. Felizmente que existem exceções. Mas são mesmo exceções. Portugal parece estar a seguir uma via de culto da estupidez que a ninguém interessa, muito menos ao país.

0 Comments:

Post a Comment

<< Home