Um país em cinza
A manhã apareceu lenta, como se o dia se recusasse a aparecer e ver a desolação que enfrentaria. Nuvens de poeira cobrem quase tudo. Uma certa neblina feita de fuligem obscurece a luz. Um cheiro acre a queimado, a cinza, não deixa dúvida do que se está a passar. A respiração é por vezes difícil. Apesar de temperaturas mais baixas, apesar de um vento mais fresco, as chamas que incendeiam Portugal recusam-se a ceder. Depois de terem devorado tudo à sua passagem assassina, depois de destruírem pessoas, bens duma vida, animais indefesos - porque foram apanhados na fuga, ou porque os seus donos os deixaram para trás, amarrados ou encurralados e deles nem se lembraram -, depois da natureza carbonizada, o fogo volta mais e mais uma vez a reaparecer. Homens que lutam contra a besta numa luta desigual, bombeiros treinados, populares indefesos que apenas tentam proteger tudo o que lhes resta, enquanto tudo isto anda por aí, Portugal continua a arder. Trágica sina esta, dum país que ciclicamente se vê devastado de forma tão definitiva. Pessoas inconscientes que não limpam os terrenos que são seus. Pirómanos assassinos que depois do crime cometido e, (quando são apanhados e apresentados à justiça), logo saem em liberdade em nome duma qualquer fragilidade, - seja o álcool, demência ou outra -, para recomeçar de novo. (Uma justiça que ninguém percebe que assim se comporta). De tudo isto se vão fazendo estes trágicos verões que há muitas décadas são mais de tragédia do que de lazer. Enquanto nos lamentamos, Portugal continua pasto de chamas. Homens continuam a lutar até à exaustão. Olhos húmidos do fumo e da emoção. Desespero, que é companheiro de muitos, nestes dias apocalípticos que vivemos. Discussões e acusações inconsequentes. E, entretanto, o meu país continua a arder. A impotência no rosto de muitos são bem o exemplo do cansaço, mas não do baixar de braços. As cinzas que cobrem tudo, - arrastadas por ventos que potenciam mais e mais incêndios -, vão tornando o ar irrespirável. Dias de provação estes, que são os nossos. E enquanto o nosso olhar é cada vez mais triste e vazio, a nossa angústia é mais profunda, enquanto tudo isso acontece, o meu país é um mar de chamas e de cinza.
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