O fim dum ciclo
Encerra-se hoje um dos grandes ciclos da democracia portuguesa. Mário Soares era o símbolo, um dos poucos abencerragens que ainda resistiam ao tempo heróico, da luta pela consolidação duma democracia em Portugal. Agora, esse legado passa para o Prof. Freitas do Amaral que, estou certo, o honrará com a nobreza que se lhe conhece. Vejo muita gente a criticar Mário Soares, o que não deixa de ser irónico, porque foi graças à sua luta em prol da liberdade e da democracia, que hoje o podem fazer sem medo e sem correr qualquer risco. O mais curioso é que muitas críticas vêm de gente que nem idade tem para saber o que se passou, apenas falando em segunda mão por factos não vivenciados, aprendidos à pressa, ou nem sequer isso. Com certeza que nem tudo foi bom com Mário Soares. Mas quem nunca errou? Só aqueles que nada fizeram. Pois então, quem se acha acima da condição humana, que atire a primeira pedra. Eu, como muitos da minha geração, estamos gratos a este grande homem. Não só porque nos ajudou a pensar a liberdade, consolidou a democracia e pôs fim ao luto em muitas famílias, que viam os seus filhos a morrer em África por uma causa que já nada dizia aos jovens desse tempo. Eu era um desses jovens, e por isso, - mas não só -, estou-lhe tremendamente grato. Não devemos, (na senda de ingratidão de alguns, quais profetas do ódio), não reconhecer o país desenvolvido que somos hoje e que ele sonhou, desde logo, com a adesão à então Comunidade Económica Europeia (CEE), - hoje União Europeia (UE) -, que fez com que nos virássemos definitivamente para a Europa a que sempre pertencemos, e à qual tínhamos virado costas, - ou ela, a Europa -, já nem queria ouvir falar de nós. Essa foi a ideia determinante para o desenvolvimento. Dum país rural com oitenta por cento de analfabetos, tornamo-nos num país desenvolvido com um índice de escolaridade que nunca sonhamos ter. Esse foi o sonho dum homem que pôs à frente de tudo o seu país, - não aquele país cinzento e ignorante, que parece fascinar alguns ainda hoje -, mas um país desenvolvido com um nível bem equivalente aos seus congéneres europeus. E disso sou testemunha porque, felizmente, tenho o privilégio de conhecer toda a Europa. Sei bem que muito há por fazer. Haverá sempre muito por fazer porque uma nação é algo de dinâmico. Mas o sonho cumpriu-se. Mário Soares não vai entrar para a História de Portugal. Ele já há muito que faz parte dela. Daquela História, a que muitos dos seus detratores nunca terão acesso, por que são apenas isso, detratores, espuma dos dias que se esvai rapidamente e sem deixar rasto. A História é outra coisa. E quem dela faz parte também. Obrigado, Mário Soares. Descansa em paz!
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