Regressados do inferno
Logo pela madrugada fui surpreendido por uma publicação dum grande amigo meu sobre este inferno dos incêndios que nos tem assolado. Na sua publicação, esse amigo dizia algo como: 'Que venham depressa mais eleições, porque durante esse período não há incêndios'! Esta frase motivou a minha reflexão sobre este tema de tão trágica atualidade. A afirmação deste amigo sugere a ligação da política aos incêndios duma forma mais ou menos velada. Nada que seja novidade. Os menos jovens devem-se lembrar que, ainda em tempos de ditadura, se dizia que os incêndios - também os havia nesse tempo, mas a censura impedia que fossem mediatizados como hoje - era culpa dos opositores. (Normalmente, quando se falava de opositores, queria-se dizer 'comunistas'). E com esse rótulo logo os 'progroms' começavam, a torto e a direito, legitimados por essa asserção. Depois veio o tempo da democracia, - e os incêndios continuaram -, mas agora dizia-se que eram os saudosistas do anterior regime que os perpretavam para dificultar a consolidação do novo regime. Mais tarde, - os incêndios continuaram - e agora dizia-se que, era a esquerda, quando a direita estava no poder; ou era a direita, quando a esquerda estava no poder. Sempre foi assim, e assim continuará a ser, seja qual for o regime ou partido da moda. A afirmação do meu amigo vai neste sentido o que, face à situação vigente, até tem a sua legitimidade. Mas chegado aqui, quero introduzir mais uma questão, que se prende com as alterações climáticas. Mais uma vez apelo aos menos jovens que quase diariamente viam entrar por suas casas dentro a figura do Professor Anthímio de Azevedo quando vinha dar a informação meteorológica. Mas Anthímio de Azevedo para além dessa função mais visível, tinha uma série de estudos sobre o clima que eram alertas que ninguém levou a sério. Durante décadas, ele afirmava que isto ia acontecer, sobretudo na bacia do Mediterrâneo, face às alterações do clima. Pregou no deserto durante todo esse tempo, - ainda me recordo que antes de falecer, ele alertava para esta problemática, e lamentava-se que ninguém queria acreditar no que dizia -, talvez agora seja tempo de recuperar esses estudos e fazer justiça à sua memória. Ainda ontem foi divulgado por alguns canais televisivos um mapa sobre os incêndios na Europa, e era claro que os países da, ou próximos da, bacia do Mediterrâneo, estavam a braços com este problema. Parece que agora, e dada a gravidade da situação, se começa a olhar para algo de que se fala à imenso tempo, mas que até agora não tem tido efetivação prática, que se prende com a reestruturação das florestas. Mas tal não pode andar ao sabor dos governos - tenham eles a matiz que tiverem - mas será urgente um pacto de regime sobre esta questão. A comissão independente que foi criada para analisar esta matéria - por sugestão do PSD e aceite pelos outros partidos - apresentou o seu trabalho. Talvez agora, seja importante que, todos os partidos - os que apoiam a governação e a oposição - dêem finalmente as mãos no sentido de se definir uma política para as florestas. Isso é mais importante e construtivo do que passarem o tempo a gritar e esbracejar sobre possíveis demissões que nada resolvem. (Aliás, esta é uma pecha da política portuguesa que tem muito poucos seguidores na Europa comunitária, felizmente). Assim, será mais construtiva e consequente uma atuação que não será para uma legislatura mas para um período longo, seja qual for o governo que esteja nessa altura em funções. Essa sim, será uma estratégia que os portugueses perceberão, bem longe do vil aproveitamento político que se está a fazer, e que só desqualifica quem vai por aí. Essa estratégia poderá de certo modo, abarcar os pressupostos que aqui trouxe. Uma possível motivação política - que também não excluo -, as alterações do clima - que são uma evidência -, e, como corolário disso, a ordenação do território - tarefa tão urgente e sempre adiada, para a qual um pacto de regime é urgente. Não nos podemos esquecer que CDS, PSD e PS são responsáveis por tudo isto, porque queiramos ou não, têm sido ele que governaram nos últimos quarenta anos, e não podem daí lavar as mãos como Pilatos. Todos são responsáveis por mais que se ponham em bicos de pés a gritar por demissões inconsequentes, a não ser motivados por um certo e pobre aproveitamento partidário, à falta de agenda política para se manterem à tona de água. Mais do que tudo é preciso uma reflexão séria e um empenhamento de todos. De todos mesmo. Sem jogos de bastidores ou amuos de circunstância. É altura de regressarmos do inferno.
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