Do mundo clássico ao Cristianismo
O fim abrupto da civilização greco-romana às mãos do cristianismo tem sido muito pouco estudado. Aquilo que por vezes se ensina não corresponde ao que a história dita, o que até nem surpreende porque existem vários casos e não só este que aqui vos trago. Os mundos intelectuais clássico e cristão não eram assim tão próximos e amigáveis quanto aquilo que se diz. Embora o Império Romano e o Cristianismo ocupem a mesma zona geográfica isso pode contribuir para alguns equívocos. Afinal, o Papa está em Roma, e se entrarmos em algumas igrejas muitos dos traços arquitetónicos vêm dos templos antigos. Muitas delas são antigos templos reconvertidos daí a similitude e quiçá a confusão. Contudo estes dois mundo não poderiam ser mais diferentes. Quero aqui trazer uma notícia que à cinco anos fez furor na imprensa quando a estátua de Atena foi atacada pelo daesh apenas e só porque os seus militantes achavam que era demoníaca, mas convém também lembrar que no ano 385 a mesma estátua foi atacada por cristãos porque achavam que tinha demónios dentro. Estes paralelismos são complicados e deles fala-se pouco. E quando alguém fala disto fá-lo com alguma indulgência. Desculpam estas situações por vezes dizendo que o São Martinho se calhar terá tido excesso de zelo, se calhar deixou-se levar pelo entusiasmo, ou outras coisas parecidas. Mas há quem afirme que ele era um bruto e os seus seguidores uns fanáticos. O curioso é que estes episódios parecem estar concentrados na zona oriental do Império Romano. O próprio Império nessa época estava cada vez mais concentrado nessa zona oriental, dado que na parte ocidental a sua influência esmorecia naquilo que são hoje a França e a Inglaterra. Há vestígios arqueológicos desta violência em França e no oeste da Inglaterra, na cidade de Bath, conhecida pelos seus banhos romanos, onde há uma estátua de bronze de Minerva que foi decapitada de forma violenta. A verdade é que houve pessoas atacadas pelas multidões cristãs, e algumas destas que estavam a participar nos ataques também se suicidava porque lhes tinha sido prometido que no céu receberiam uma recompensa cem vezes maior. Isto é muito interessante mas também inesperado. Hoje sabe-se que muitos governadores romanos imploraram aos cristãos para não se matarem. Eles queriam que os cristãos se conformassem com o império, não queriam matá-los. Não pretendo afirmar que o fanatismo cristão do século IV e o fanatismo islâmico de hoje são a mesma coisa. Mas, por vezes, parece que existem alguns pontos de contacto evidentes. Aqui o importante é que olhemos para os primeiros cristãos com o olhar que eles merecem, não tanto com indulgência, pensando que tudo estava bem. Esta conquista foi importante para a Europa, mas não foi tão virtuosa como pensamos. A antiguidade não desculpa se esmagamos uma estátua. Se somos bandidos, somo-lo sempre, e basta. Embora hajam muitas biografias de ícones cristãos, nada se lê sobre a destruição dos livros clássicos, por exemplo. Ao que julgo saber, o primeiro livro que estuda a destruição de estátuas na zona oriental do Império Romano só foi publicado em 2015! A culpa disto tudo talvez seja da própria história. É preciso não esquecer que para se ser professor em Oxford, Cambridge ou em outras universidades até 1871, era necessário ser-se ordenado vigário. Quer dizer, era preciso pertencer à Igreja para se estudar a Igreja, e isso enviesou, naturalmente, a análise crítica. Os primeiros cristãos eram muito céticos. Por exemplo, Santo Agostinho era muito cético em relação aos filósofos e celebrou a sua destruição. São Jerónimo travou uma batalha sem fim com pesadelos em que Deus o acusava de ser um seguidor de Cícero. São Basílio dizia às pessoas para se livrarem dos estudos clássicos. Não para se livrarem deles de facto, mas para não os lerem. E até havia uma norma que dizia para ficarem longe dos livros pagãos porque estes eram perigosos. Estes diziam ora que havia deuses, ora que não havia deuses. Diziam que éramos todos feitos de átomos e isto eram coisas perigosas para os cristãos lerem. Quando nos debruçamos na História podemos vir a chocar com verdades inconvenientes que nos vão interpelar a nós e àquilo que nos foi ensinado ao longo do tempo. Mas apesar disso, e contrariando algumas visões mais ortodoxas, é importante que olhemos para o passado e tentemos descobrir os reais fundamentos de algumas visões que nos questionam a cada momento.
0 Comments:
Post a Comment
<< Home