"Uma casa em Mossul" - Paulo Moura
Há livros que nos tocam sem que saibamos porquê, mesmo que encerrem o que de mais trágico e vil é capaz a mente humana. Este é um desses livro. Tem por título 'Uma casa em Mossul' e o subtítulo 'Os últimos dias do estado islâmico' e é da autoria do jornalista Paulo Moura. O estado islâmico é uma daquelas realidades de mais difícil entendimento neste nosso século, como o estado nazi o foi no século passado. Da barbárie, das degolações, assassinatos em processos sumários, violações, escravatura, de tudo isto nos fala este livro, como um diário escrito por quem esteve lá às portas de tão dramática realidade. É um escrito de vivências e não um texto romanceado sobre uma realidade vista à distância. E é aí, quando não temos a garantia de sobreviver à experiência, que as coisas assumem uma outra dimensão. Alguns dos relatos são verdadeiramente incómodos para a nossa mentalidade de ocidentais. A começar pelos vídeos de degolações filmados em primeiro plano e difundidos na televisão como se de um jogo de futebol se tratasse. Das violações em massa que vão desde o mais obscuro soldado até ao topo da hierarquia. (A agressão sexual sempre foi através dos tempos uma arma usada pelos exércitos. Para manter a moral das tropas como afirmava Hitler e por isso criou a sua sinistra 'Freude Abteilung' (Divisão do prazer) - que aliás deu origem a um dos grupos musicais mais deprimentes da história da música dos anos 90, os famosos 'Joy Division' - como agora, o auto proclamado estado islâmico que o utiliza como arma de agressão, de humilhação, de escravidão). A baixeza humana sempre encontrou modos de se recriar. Mas, infelizmente, tudo isto são os efeitos da guerra a que já nos fomos habituando. (Afinal não existem guerras limpas por mais que nos queiram dizer o contrário). Contudo, o que mais me impressionou no livro, foram duas entidades. Em primeiro lugar o intérprete de Paulo Moura, Khaled, um jovem que aprecia a vida, um jovem que gosta de tecnologia, um jovem com formação superior, mas que não entendia esse lado de apoio às mulheres que para ele não valiam nada. (Aliás, para os menos jovens, lembrar-se-ão que por cá o mesmo acontecia vai para 50 anos, onde a mulher era para estar em casa a cuidar dos filhos e ser a concubina do marido. Com baixa ou nenhuma escolaridade. Pois as mentes puritanas não se exaltem porque professaram o mesmo por cá). A segunda realidade foi a capacidade que o ser humano tem em se adaptar à vivência, independentemente do sítio onde esteja, como se nada se passasse. É o caso dum casal que Paulo Moura conheceu, - ela alemã, ele paquistanês -, que viviam num condomínio de luxo a escassos 50 kms da frente de guerra, mas para eles é como se ela não existisse. Viam os clarões das explosões à distância durante a noite como se fosse um espectáculo. Até as quebras de energia frequentes nessa região, não as sentiam porque o condomínio - os chamados compounds - onde viviam tinham geradores próprios e, como tal, as pessoas nem se apercebiam disso. É este multifacetado das guerras - todas as guerras - que me impressiona e que me faz pensar do que é capaz a mente humana. E não pensem que é a religião que aqui assume o papel central. Fica claro que a religião é mais o 'modus operandi' para as pessoas comuns, mas por trás, outros interesses se erguem que nada tem a ver com isso. (E já agora, dos concluíos a que não é estranho os EUA e a Rússia, mas não só. O mais grave é sabermos que quem produziu o estado islâmico e o seu cortejo de atrocidades foram mentes de pessoas cultas, inteligentes, e não de pessoas de menor condição. E isso é preocupante. Quanto ao autor, Paulo Moura é jornalista e escritor, nascido no Porto. Já esteve em vários cenários complicados, mas talvez este, tenha sido o seu maior desafio. É galardoado com diversos prémios nacionais e internacionais. A edição é da Objectiva. Um livro que aconselho a lerem porque nos trás algumas notas que poderão ajudar-nos a compreender melhor este fenómeno do chamado estado islâmico.
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