Turma Formadores Certform 66

Friday, August 17, 2018

"A Chegada das Trevas" - Catherine Nixey

Todos nós nos temos insurgido com as barbaridades do daesh, não só as atrocidades feitas sobre pessoas, mas também sobre a cultura. Todas as vozes do Ocidente se ergueram quando foram conhecidas a bárbara destruição na cidade histórica de Palmira na Síria, que é património da Humanidade. Eu fui uma dessas pessoas, até que alguém me chamou a atenção para este fantástico livro de título "A Chegada das Trevas", com o subtítulo 'Como os Cristãos destruíram o Mundo Clássico' da autoria de Catherine Nixey. Sempre me considerei um espírito aberto e assim parti para a leitura do livro sem preconceitos. Sabia que tudo o que os antigos cristãos tinham feito nem sempre teria aquela aura transcendental que nos querem 'vender'. Mas confesso, que não estava à espera de tanto. Se o daesh tinha destruído Palmira, já antes o mesmo tinha acontecido pelas mãos dos cristãos. A estátua de Atena é bem o exemplo. Depois de ter sido destruída pelos cristãos, foi reconstruída pelos arqueólogos vindo agora a voltar a ser destruída pelo daesh. O mais curioso é que se invocaram, praticamente, as mesmas razões. Há um par de anos atrás, estive no Egito e, como muitas outras pessoas, fui visitar alguns locais históricos. Entre eles visitei o que resta do Templo de Ísis em Filas. Apercebi-me que parte da estatuária e do friso tinham sido destruídos. Pensei que fosse a erosão do tempo. Notei algum incómodo no guia que me acompanhava. Afinal eu era Ocidental e como tal cristão. Só agora percebi a razão de tal mal-estar. É que o imperador Justiniano procedeu à destruição do belo friso do Templo de Ísis em Filas no Egito e mais tarde, um general cristão esmagou os rostos e mãos das imagens 'demoníacas'. Tudo em nome da religião... cristã! Este livro fala sobre tudo isto. Do modo como o Cristianismo se impôs pela violência e intransigência, bem longe daquilo que nos fazem crer nos nossos dias e, talvez, bem diferente daquilo que Jesus pregou. Curiosidades que nos incomodam. Na sinopse do livro lê-se: "A Chegada das Trevas é a história largamente desconhecida - e profundamente chocante - de como uma religião militante pôs deliberadamente fim aos ensinamentos do mundo clássico, abrindo caminho a séculos de adesão inquestionável à "única e verdadeira fé". O Império Romano foi generoso na aceitação e assimilação de novas crenças. Mas com a chegada do Cristianismo tudo mudou. Esta nova fé, apesar de pregar a paz, era violenta e intolerante. Assim que se tornou a religião do império, os zelosos cristãos deram início ao extermínio dos deuses antigos - os altares foram destruídos, os templos demolidos, as estátuas despedaçadas e os sacerdotes assassinados. Os livros, incluindo grandes obras de Filosofia e de Ciência, foram queimados na pira. Foi a aniquilação. Levando os leitores ao longo do Mediterrâneo - de Roma a Alexandria, da Bitínia, no norte da Turquia, a Alexandria, e pelos desertos da Síria até Atenas -, 'A Chegada das Trevas' é um relato vívido e profundamente detalhado de séculos de destruição." Este é um livro muito interessante quanto incómodo. Coloca-nos face a coisas que desconhecia-mos ou que tentávamos ignorar. Mas a História aí está para nos apontar o dedo acusador. A autora escreve a terminar o livro a seguinte frase: "A encantadora estátua de Atena, a deusa da sabedoria, sofreu tanto quanto havia sofrido a estátua de Atenas em Palmira. Não só foi decapitada, como foi, numa derradeira humilhação, colocada de rosto para baixo no canto de um pátio para ser usada como degrau. Durante os anos que se seguiram, as suas costas seriam gastas, enquanto a deusa da sabedoria era calcada por gerações de pés cristãos. O 'triunfo' do Cristianismo estava completo." Se todo o livro é embaraçoso, esta frase final é como um soco no estômago. Mas é importante que venham a lume estas coisas para podermos avaliar os caminhos da História. Se ele fala de terras longínquas para nós, temos de nos lembrar do que aconteceu mais próximos de nós, mesmo intra muros, com a atitude dos mais radicais dentro da Igreja, caso da Inquisição. Essa bastante mais recente mas também embaraçosa. De tudo isto parece que a diferença entre os radicais islâmicos e cristãos não é tão diferente assim. Os radicalismos são sempre iguais e bestiais. A autora, Catherine Nixey, é filha dum monge e de uma freira. Apesar disso, sempre se interrogou sobre muita coisa. Esse incómodo de perguntas não respondidas, levou-a a aprofundar o tema que dá origem a este livro. Catherine formou-se em Estudos Clássicos em Cambridge, sendo professora da área durante vários anos, antes de ser jornalista no prestigiado 'The Times'. Um livro que recomendo vivamente para ser lido de espírito bem aberto. A edição é da Desassossego uma chancela do Grupo Saída de Emergência.

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