O crepúsculo de uma vida
Queiramos ou não, a velhice com o seu cortejo de degradação física é uma realidade a que nenhum de nós pode fugir. Tal acontece com todos os seres vivos. O meu companheiro Nicolau não é exceção. Tem sido um herói que tem surpreendido todos, desde logo eu mesmo, mas também a equipa de vet's que o tratam. Dizem que é milagre. Não sei se é ou não. É certamente a medicação que esta equipa fantástica de vet's lhe tem prescrito, o seu acompanhamento e carinho. É a força dum ser que pretende prolongar a vida até ao limite. É um milagre talvez, para mim é-o porque nunca pensei que ele durasse tanto depois de o ver totalmente paralisado durante dois meses. Mas se calhar é assim mesmo, para ampliar a nossa fé, aumentar a nossa crença. A gata Rosita tem sido a sua fisioterapia, ou melhor, gatoterapia como gosto de dizer. Mas dia a dia vemos que tudo se torna mais complicado. E assim, o Nicolau vai dando mostras duma fragilidade que vai aumentando dia após dia. Qualquer pequeno toque o faz desequilibrar. Cai com frequência. Sempre que se senta ou deita pede para o ajudarmos a erguer porque simplesmente já não o consegue fazer sem a nossa ajuda. Agora, já começa a não controlar totalmente o seu fluxo fisiológico. Ele que sempre foi tão limpo, começa a fazer as suas necessidades mesmo durante o sono, já não tendo a sensibilidade de antes. E como fica triste quando o faz e se sente humilhado. Aos poucos vamos assistindo à sua degradação. Por vezes, parece ter o sono trocado, ele que dorme praticamente o dia todo. E as noites nem sempre nos deixa dormir como aconteceu a noite passada. Porque quer vir cá fora tomar ar, passear, porque parece que não está bem, outras vezes, parece que precisa de se aconchegar a nós, enfim, uma série de atitudes que nós já vamos conhecendo nele e que nos transtorna a vida diária. Mas tudo faremos por ele custe o que custar. Ele sempre tem sido um cão amigo, próximo, o meu companheiro de 16 anos nos bons e maus momentos. Embora com o seu já proverbial mau feitio. E um amigo assim não se enjeita. Lutaremos por ele até ao limite das nossas forças. Está a chegar o Natal. Gostaria que ele ainda por cá andasse. Provavelmente será o último que passa connosco. Como gostava de o ter nessa altura! Seria seguramente o melhor presente que poderia receber. Que ele passasse o ano na nossa companhia e nos aquecesse os corações. A nós que também vamos sendo consumidos pelos anos. Quando a probabilidade de vida vai diminuindo, a ela nos agarramos mais e com ela queremos ter os nossos melhores companheiros. Os de uma vida, os que nunca nos negam, os que nunca nos traem. Enfim, os verdadeiros amigos que valem mais do que muito ser dito humano. Espero que me seja concedido este presente natalício. Que as potestades o ajudem, a ele e a nós, a manter-mo-nos juntos por mais algum tempo. Sei que um dia tudo terminará. E esse dia será duro, como duros foram os dias em que perdi outros amigos e também companheiros de uma vida. Mas este é especial porque é o último. A nossa idade já não vai permitir ter mais nenhum e ficar com aquela angustia de um dia partirmos também e deixarmos algum para trás a sofrer pela nossa ausência, mesmo que seja bem tratado por terceiros. Até por isso espero que este meu velho companheiro me dê mais esta alegria, ele que já tantas me deu, como quando se ergueu nas suas frágeis patas e mostrou que ainda não era chegada a hora. Já passou um ano e meio depois de tudo isso. E espero que passe mais algum tempo. Este é o meu bravo guerreiro. O companheiro do que resta da minha vida. 'Como é triste ser-se velho' dizia-me um amigo já desaparecido. E como ele tinha razão.
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