Conversas na madrugada
Hoje cruzei-me com uma senhora que já em tempos trouxe a este espaço. À um par de anos atrás, referia-me a ela e ao marido que, no escuro da madrugada andavam nos contentores do lixo a recolher o que podiam. Eram os anos da crise que levou a que muitos recorressem a esse expediente. Sei-o bem porque na madrugada me cruzava com muita gente assim, alguns que até eram meus conhecidos. Mas o caso deste casal era interessante porque, apesar das dificuldades, sempre traziam algo, nem que fosse um pouco de pão, para distribuir por animais tão desgraçados quanto eles. E era ver alguns cães vadios, alguns gatos desvalidos, até algumas aves que desciam das árvores para vir ter com eles porque sabiam que alguma coisa para comer lhe dariam. Um dia meti conversa com eles e fiquei ainda a admirá-los mais, quando me disseram das suas dificuldades, mas que sempre haveria alguma coisa para ajudar quem ainda vivia pior do que eles. Passaram-se anos, em que a visão deste casal se cruzava comigo madrugada fora. Desde à já algum tempo, via a senhora sozinha. Cumprimentava-mo-nos mas ambas seguíamos o nosso caminho. Hoje a senhora veio ter comigo e interpelou-me sobre uma outra situação. Palavra puxa palavra, vim a saber que o marido já tinha falecido vai para um ano. Não sabia do sucedido e fiquei até surpreendido. Vim a saber que tinha muitas complicações de saúde que se foram acumulando com os anos e que contribuíram para este desfecho. Apresentei-lhe as minha condolências pelo sucedido e fiquei a pensar naquele casal que tanto carinho, amor e comida foi distribuindo por tantos animais e aves. Fiquei por momentos com aquela imagem dum casal perdido na noite rodeado de animais junto a um qualquer candeeiro da via pública. Agora a senhora cruza a noite sozinha. Mais triste naturalmente, mas com o mesmo desiderato. Vim a saber que o marido se chamava Manuel. E só pelo que vi desse casal durante anos e da felicidade que davam aos animais espero que o Manuel esteja em paz. Porque apesar de tudo, ele era também um dos que ajudava. Muitos animais serão as suas melhores testemunhas com certeza. Que o Manuel esteja em paz pelo que de bom fez!
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