Turma Formadores Certform 66

Sunday, April 07, 2019

"No Armário do Vaticano" - Frédéric Martel

Há livros que nos marcam e nos preocupam porque mexem com as nossas consciências, como aquilo que de mais profundo toca o ser humano, a Fé. E tudo isto podemos encontrar num livro que saiu à pouco tempo da autoria do jornalista e escritor Frédéric Martel, com o título "No Armário do Vaticano" e o subtítulo 'Poder, Hipocrisia, Homossexualidade'. Este é um livro fruto de profunda investigação do autor durante vários anos sobre o fenómeno da homossexualidade dentro da estrutura católica e no seu âmago mais simbólico, o Vaticano. Já a semana passada, a propósito duma outra questão, aflorei esta livro e na altura afirmei que este fenómeno era à muito discutido no seio da Igreja Católica. E até dava o exemplo de quem visita o Vaticano estar atento ao que se passa nas colunatas de Bernini a meio da manhã e sobretudo durante a tarde. Já pude constatar isso por diversas vezes quando por lá passei. Mas no fundo, a crença faz com olhemos sempre de viés para o fenómeno, que o tentemos desvalorizar, mas não o podemos negar porque ele existe mesmo. Como diz o povo, num aforismo que conheço desde criança, 'olha para o que eu digo e não para o que faço'. Mas voltemos ao livro com mais atenção. Lê-se na sinopse do mesmo que "durante quatro anos, Frédéric Martel percorreu os meandros do Vaticano e conduziu uma investigação no terreno em mais de trinta países. Entrevistou dezenas de cardeais e encontrou-se com centenas de bispos e de padres. Este livro revela a face escondida da Igreja: um sistema construído desde os mais pequenos seminários até ao Vaticano, assente, ao mesmo tempo, sobre uma vida homossexual escondida e sobre a mais radical homofobia. A esquizofrenia da Igreja é insondável: quanto mais um prelado é homofóbico em público mais provável é que seja homossexual na vida privada. «Por detrás da rigidez há sempre qualquer coisa escondida: em numerosos casos, uma vida dupla.» Ao pronunciar estas palavras, o papa Francisco tornou público um segredo que esta investigação vertiginosa explora, pela primeira vez, com grande detalhe." Portugal não deixa de estar representado na investigação que o jornalista Frédéric Martel fez nos últimos quatro anos em vinte países sobre a homossexualidade na Igreja Católica. O autor veio duas vezes ao nosso "pequeno país católico" e escreve quatro páginas em que apenas aponta um nome: o ex-bispo auxiliar de Lisboa e vice-reitor da Universidade Católica, Carlos Azevedo. De raspão e em três linhas ainda deixa nota da união de "um dos mais destacados tradutores da Bíblia (Septuaginta) do grego para o português, Frederico Lourenço, professor universitário que casou publicamente com o seu companheiro". No que respeita ao clero português, é Carlos Azevedo quem surge como protagonista de um escândalo que pretende "ostracizar o pobre prelado". Martel considera que esse "escândalo Azevedo" não é "tanto sobre a eventual homossexualidade de um arcebispo, como na chantagem de que foi alvo" e regista o depoimento que ouviu do português: "Muito digno, Azevedo nunca falou publicamente do seu drama, que o foi ainda mais porque era o 'diretor espiritual' daquele que o acusou, acrescentando que o 'rapaz era maior e nunca houve abusos sexuais'". Frédéric Martel usa o episódio português mais como exemplo das manobras de bastidores da Igreja do que para apontar a homossexualidade entre os responsáveis católicos em Portugal, ouvindo várias fontes para concluir que Carlos Azevedo foi um peão numa armadilha para o impedir ser nomeado patriarca de Lisboa e cardeal. Para o autor, a acusação de Carlos Azevedo foi o pretexto de Roma para se vingar da "neutralidade do episcopado de Lisboa" contra a lei do casamento homossexual, designadamente a do anterior patriarca José Policarpo, num país onde, diz, ficou "surpreendido pela moderação política" sobre questões que o papa Bento XVI considerava não serem aceitáveis. Este papa tinha em Carlos Azevedo o seu "homem-chave", responsável pela organização da viagem papal a Portugal, "decidida oportunamente para tentar contrariar a lei sobre o casamento" e que tinha "grandes ambições para o seu protegido". Segundo o autor, após ter dado nas vistas do papa, a ascensão de Carlos Azevedo "não poderia já ser travada", mas o facto de ter escolhido um "closeted" [no armário] foi usado contra Carlos Azevedo e "os rumores sobre a sua homossexualidade surgem rapidamente". Acrescenta: "São tais que a carreira de Azevedo fica comprometida" e é criado um cargo pelos "próximos de Ratzinger" à sua medida e "um título para o infeliz prelado", sendo nomeado 'delegato' do Conselho Pontifício para a Cultura em Roma. Também não deixa de ser importante e interessante a posição do Papa Francisco no desmascarar toda esta trama que, ao que parece, tanto assustou Bento XVI que parece ter estado na sua decisão de resignar. O Papa Francisco é aqui retratado como um homem de muita coragem que não teve medo de enfrentar o 'lobby' correndo enormes risco mas sem que isso o fizesse voltar a trás. Sobre o autor é escritor, investigador e jornalista, Frédéric Martel é autor de uma dezena de livros, entre eles De la culture en Amérique (Gallimard, 2006), Mainstream (Flammarion, 2010), e Smart, Enquête sur les Internets (Stock, 2014). Estes livros foram traduzidos em vinte países. É o anfitrião de um programa de rádio na France Culture dedicado às indústrias criativas, aos media e à internet. É ainda investigador universitário associado a universidades em França e na Suíça. Um livro perturbador, muito bem escrito e fundamentado, apoiado numa investigação sólida, mas um livro que nos coloca muitas interrogações e nos perturba a consciência. Embora ache que a Fé, o transcendental, Deus no limite, não pode ser confundido com esta negritude. Afinal as histórias do Vaticano são muitas ao longo de séculos e aí estão os livros de História para nos provar isso mesmo. Mas isso não diminui o impacto junto das pessoas que têm na Fé o seu principal esteio. Mais uma vez aqui lembro a frase tantas vezes batida do meu amigo Frei Fernando Ventura quando me diz amiúde 'felizmente que Deus não tem religião'. E talvez seja este o segredo para continuarmos com a nossa Fé à margem de todo este ruído. Um livro que acho muito interessante e fundamental para mostrar um dos lados mais negros do catolicismo. Agradeço ao amigo que me colocou nas mãos este livro com a generosidade duma primeira edição. A edição é da Sextante Editora uma chancela da Porto Editora.

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