A prostituta improvável
A segunda estória que aqui trago é a de uma prostituta. (Nem sei se a devo apelidar assim, embora essa fosse a profissão que exercia). Era eu então um jovem universitário do 1º ano de Economia. Ainda não tinha carro. Utilizava os transportes públicos para me deslocar. Ia até ao Hospital de São João e depois a pé até à Faculdade. Era menos de um quilómetro ao longo da rua Roberto Frias. Ao longo desse percurso que tantas vezes fiz, aproveitávamos para falar com os amigos, namorar algumas vezes ou então, em tempo de testes, para tirarmos as dúvidas uns aos outros. Ao longo do percurso passávamos por uma rua que se alongava nas traseiras do dito hospital. Essa rua era conhecida por ter algumas mulheres e homens que por lá andavam oferecendo o corpo a quem passava. Nesse dia, vinha com um grupo de colegas. Tinha saído pelas 13 horas para ir almoçar e recomeçar os trabalhos durante a tarde. Foi então que vi o famoso grupo, com cores garridas, com roupas que se abriam deixando os corpos expostos para estimular os transeuntes. De repente surgiu um carro a alta velocidade. Vinha também da faculdade e virou nessa rua no momento em que passava com os meus amigos. Ou por manobra de intimidação ou por descontrole do condutor, o certo é que o carro chiou ao fazer a curva, e meio descontrolado, aproximou-se dessas jovens quase colhendo uma delas. Nessa altura todos olhamos para o local. Foi nessa altura que vi uma jovem a esbracejar vociferando todo o vernáculo que conhecia. Teria sido ela a vítima caso o carro não tivesse voltado à estrada. Chamou-me a atenção o rosto dessa jovem. Conhecia-o de algum lado mas a maquilhagem que usava não o tornava mais familiar. Quando passei pelo grupo vi que era uma antiga amiga. Uma jovem oriunda de família abastada, que depois de ter engravidado - dum namorado que quando percebeu a situação desapareceu como o fumo - viu a sua vida mudar cento e oitenta graus. Ela poderia ter evitado a criança, mas preferiu tê-la - sempre admirei mulheres que se assumem deste modo - mas a família não aceitou. Quando perceberam que ela mantinha a intensão de ter o filho colocaram-na na rua. Ela uma jovem e brilhante estudante, com vida boa, viu-se de um momento para outro, na vereda da vida. Sem poder continuar os estudos, sem emprego, sem uma casa (residiu algum tempo com uma amiga) talvez não lhe tenha sobrado outra hipótese senão a prostituição. Era o caminho mais fácil e mais duro. Tentei aproximar-me dela. Sei que me viu mas me ignorou. Afastou-se um pouco. Não queria ser vista na situação em que se encontrava. Como vi o seu desconforto, não forcei o contacto. Tinha a expectativa de um dia a ver mais isolada nesse local e poder falar com ela. Mas não. Por lá passei muitas vezes. Por lá vi muitas prostitutas. Mas nunca mais a vi a ela. Fiquei incomodado. Conhecia a sua estória. Sabia que aquela não era a vida que ela pretendia ter. (Para mim ela não era uma prostituta). Sabia das possibilidades da sua família que só o convencionalismo social fez com que atirasse a sua filha para a lama. A imagem ficou. Nunca mais a esqueci. Hoje terá mais ou menos a minha idade e o filho será um homem. Talvez casado e com filhos. Nesse dia já longínquo cheguei a casa e escrevi. Mais uma vez era para ser um texto. E mais uma vez saiu um poema. O segunda - e até hoje último - na minha vida. E tal como o outro texto que ontem trouxe aqui, este também se perdeu numa gaveta da minha secretária. Talvez um dia apareça ou talvez não. Mas aqui fica a estória igual a tantas outras. Por vezes é fácil apontar alguém porque nos achamos em porto seguro. Mas um dia esse porto seguro pode desabar. É sempre fácil criticar quando não se conhece as estórias que estão por trás. Se as conhecêssemos talvez fossemos menos afoitos e a vida fosse bem melhor.
0 Comments:
Post a Comment
<< Home