À memória de uma amiga
Quando sabemos que alguém parte atingido o fim do seu ciclo de vida, não podemos deixar de sentir um abalo. Quando esse alguém é alguém próximo - familiar ou amigo - ainda é pior. É sempre aqui que temos a sensação da precariedade da vida, da sua leveza e fragilidade, de quanto é inútil esta luta constante para ter e ser, que deixamos para trás no dia da nossa partida. Tudo isto em torno da notícia duma amiga e vizinha que acabou de me deixar. Era ainda jovem (60 anos) mas isso não evitou que a morte assumindo a forma de cancro a ceifasse. Dela guardo a recordação duma criança - quando a conheci ainda ela andava no agora chamado ensino básico - e era vê-la andar a brincar na rua na sua bicicleta cor-de-rosa, sempre muito bem vestida, que os pais disso faziam gala. Filha única dum casamento que estava para não ter filhos, esta filha tardia era o encanto dos seus progenitores que tanto a desejaram. Vivia bem numa época em que poucos o poderiam dizer. Mas a vida dá muitas voltas e nem sempre aquelas que gostaríamos. Esta minha amiga foi crescendo em idade, tamanho e beleza, e isso acabou por a trair. A vida não foi boa para ela muitos dos que a julgaram deveriam ter vergonha do que então disseram. (Mas o karma aí está e as suas vidas e dos seus familiares estão hoje bem mais na lama do que aquilo que queriam que estivesse desta minha amiga). Nem sempre tive uma relação amistosa com ela. Estivemos separados por longos períodos, - mais fruto de maus aconselhamentos do que outra coisa -, embora viéssemos a retomar a nossa relação nos últimos anos. Porque para além de termos personalidades fortes que chocaram aqui e ali, tínhamos algo ainda mais forte em comum, o amor pelos animais. E quem ama os animais será sempre um bom coração faça o que fizer. Os últimos quinze anos foram de relações normais, amistosas até, porque o sentimento pelos animais fazia esbater tudo o resto. (Agora fico preocupado com os animais que deixou: um cão e duas gatas, que eram a sua companhia, e que amava profundamente. mesmo com a garantia de que um familiar fica com eles, não será a mesma coisa, e os animais vão senti-lo). Esta amiga nunca casou, praticamente sem família em Portugal, sempre preferiu ter uma vida livre e sem compromissos, embora isso nem sempre lhe tenha trazido boas influências. Mas era a sua opção de vida e é preciso respeitar quem assim decide. (Quem sabe se aos olhos dessa energia cósmica a que chamamos Deus ela é mais merecedora do que eu que sempre pugnei por uma vida bem arrumada). Os caminhos dos humanos nem sempre são os do divino, acreditemos nele ou não. Hoje foi o dia em que a vi partir. Nunca pensei que ela iria antes de mim, porque sou mais velho. Mas assim aconteceu. Não publico foto desta pessoa porque não é necessário. Alguns dos que me leem conheceram-na e sabem de quem falo, aos outros isso não interessa. Não utilizei o seu nome neste texto porque também não seria necessário. Ela se tiver acesso por uma qualquer ligação cósmica ao que aqui digo sabe que é a ela que me refiro e isso para mim chega. Agora é a ressaca que neste casos aparece. As memórias a rebentarem na minha cabeça, a transportar-me a um outro tempo que já há muito deixou de ser. Mas é assim a vida sempre feita de encontros e desencontros, de chegadas e partidas, numa senda inexorável até que a nossa vez seja chegada. As memórias ficarão, as recordações serão vincadas mais fundo. Que a luz ilumine esse teu novo caminho. Lá onde estiveres, que estejas finalmente em paz!
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