A vida torna-nos mais sábios?
A vida vai-nos transformando à medida que avança. Diz-se que nos torna mais sábios, embora haja casos que negam essa pretensão, afinal não há regra sem exceção. Mas seguindo o padrão habitual, quando somos jovens o mundo pertence-nos, ou pelo menos, temos essa sensação. Tudo o que fazemos parece comandado por nós e nada nos aparece como obstaculizando a vontade. Seja qual for o assunto que nos surja, logo alvitramos uma solução, seja ela qual for, para obstar à sua resolução. À medida que a idade avança vamos ficando mais timoratos, menos afoitos, mais ponderados. Face a situações que se nos deparam já olhamos para elas com mais atenção, demoramo-nos nelas um pouco mais antes de emitir uma opinião. Quando a idade vai mergulhando mais e mais em anos, tudo nos parece um obstáculo intransponível, qualquer coisa, por mais básica que seja, deixa-nos a pensar demoradamente empurrando muitas vezes uma decisão até não ser mais possível. Será isso a que chamamos ser sábio com a idade? Será que este comportamento se pauta por dissabores passados que não queremos ver repetidos numa altura que temos a noção da nossa maior fragilidade? Talvez seja tudo isso. Com os anos a avançar as nossas atitudes vão mudando sem que disso nos apercebamos. Os gostos mudam, tornam-se mais refinados. Já não aceitamos algo, temos que ter um motivo, somos mais seletivos, nas coisas como nas pessoas. Já não é o ter que nos preocupa, mas mais o viver, o sentir, o apreciar, tudo aquilo afinal que fomos negligenciando na juventude. A vida assemelha-se às estações do ano, numa primavera radiosa, depois num verão pungente, passando para um outono a simbolizar o princípio do declínio, até que chega o inverno que fecha o ciclo e termina a vida, ou vai-a arrastando, por vezes, com sofrimento e sem glória até ao seu ocaso, Dou comigo a pensar nisto que tem muito de alguma filosofia oriental que vou buscando aqui e ali. Afinal os anos nos tornam mais sagazes, levando-nos a importar mais com o essencial da vida do que o acessório, que nos fez correr os anos anteriores e nem demos pelo tempo a passar sobre cada um de nós. Já não pensamos no ter, no querer, olhamos para a vida com a leveza necessária que nos faz olhar o mundo duma outra forma. Há uns anos atrás, cruzei-me com um casal alemão que ia a percorrer os caminhos de Santiago. Pediram-me algumas informações porque estavam um pouco perdidos. Mas a conversa durou ainda mais um pouco. Falou-se da vida e do seu sentido. Da maneira como olhamos para ela e como a sentimos. Depois de alguma conversa uma das pessoas disse-me que não tinha nada na Alemanha. Tinham-se libertado de tudo. Apenas aquelas mochilas com algumas coisas básicas. Dizia que era essencial essa leveza na vida para se atingir um outro patamar de clarividência. Davam como exemplo os animais e a maneira leve como percorriam a sua existência. Ao fim de algum tempo lá partiram com a alegria estampada no rosto, um sorriso nos lábios mas também no olhar, onde este é mais sincero, e eu fiquei a pensar em tudo aquilo. Passado todo este tempo ainda recordo esse dia e essa conversa. Entendo-a hoje melhor do que nessa altura. Acho que eles têm razão, mas nem sempre temos coragem para isso. Mas com ou sem ela, a vida se encarregará de nos apontar o caminho seja ele ou não a nosso gosto.
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