Conversas comigo mesmo - XII
Depois da Páscoa o encontro com Cristo ressuscitado é um acontecimento que transforma os discípulos, ressuscitando a sua fé e reanimando toda a sua vida. A primeira comunidade sem o Ressuscitado era um grupo dobrado sobre si mesmo, de portas fechadas, sem objectivos nem missão alguma, cheios de medo e na defensiva. É o encontro com o Ressuscitado que os transforma e reanima, os enche de paz e alegria, os liberta do medo e do remorso e lhes abre novos horizontes, impulsionando-os para uma missão evengelizadora. Tomam, então, a consciência fundamental de que são o prolongamento vivo de Cristo e de que a sua missão e função é anunciar e, de algum modo, realizar o Reino de Deus no meio dos homens, sob os véus da fé, do amor, da esperança e do mistério. Missão que nasce da convicção de que o Ressuscitado é agora o Senhor de todas as coisas, fonte de paz e de reconciliação do homem consigo mesmo, dos homens entre si e com o mundo. "Como o Pai me enviou também Eu vos envio a vós". Como teria sido sentida a ressureição à dois mil anos atrás. Hoje entende-mo-la, seguramente, dum modo bem diferente, mas naquela época, algo que teria que acontecer no fim dos tempos, estava a acontecer ali e agora, seria que os tempos já tinham terminado? Seria que estavam vivos ou mortos? Não sei se podemos imaginar a confusão que, então, terá percorrido os seus espíritos de seguidores fiéis e devotos, que tinham abdicado de tudo, até da possibilidade de perderem a sua própria vida, como viria a acontecer com muitos. Isto é o centro da Fé cristã. O Cristianismo não vive da saudade de um facto feliz do passado, surgiu como um anúncio e celebração de uma presença, a presença de Jesus Cristo. Celebrar a Fé, crer na Ressureição é crer na possibilidade um encontro com Ele. É crer que Ele se tornou capaz de entrar em relação viva e real com cada um de nós e que tem o poder de reproduzir, hoje, para cada homem, as palavras e os gestos de outrora. Crer no Ressuscitado, como nos sugere o belo episódio dos discípulos de Emaús, é abrir-nos à sua presença: na palavra que nos fala, ilumina e aquece o coração; na eucaristia ou partir o pão, memorial da sua vida que se dá em gesto de amor para sempre; no próximo onde, em qualquer situação, quer ser reconhecido, respeitado e amado, também com gestos de partilha. Encontro fundamental e irrenunciável. Mas , também, na tolerância que ele nos ensinou e em que tanto insistiu. Na última crónica falei-vos do budismo, mas outras existem, como o islamismo ou o judaísmo. Os grandes pensadores que iluminaram os homens são tão iguais e os homens fazem-nos tão diferentes. Se lerem a Bíblia cristã, o Alcorão islâmico ou a Talmude judaico, verão que afinal as diferenças não são tantas assim, e os episódios de uns e de outros são semelhantes e, por vezes, até iguais. Daí o apelo sempre repetido da tolerância, que começa em nós, para com aquele que está próximo, na tolerância das nações tão dividivas, tão diabolizadas sem razão. No fundo, somos todos diferentes e, simultâneamente, tão iguais. E isto não é só um "slogan" é muito mais do que isso. Reflictam sobre isto, talvez nos ajude a sermos melhores e a passarmos ao outro esta nossa tolerância, numa cadeia que se quer infinita para que definitivamente a Paz reine num mundo tão cheio de divisão e de ódio. Mas, também, para aqueles que se encontram longe, longe no espaço, mas perto na nossa memória, presentes no espírito com o agridoce profundo dum amor que a distância fortalece em vez de esmorecer. Também para estes, que se encontram mais afastados, a nossa compreensão, a nossa paixão, o nosso amor na expectativa de que ele será retribuído no sentimento de partilha que nos foi legado pelos grandes guias da humanidade. Sem que esqueçamos que cada um tem que "cumprir a sua lenda pessoal" como diz Paulo Coelho, mas sem ódios porque cientes da mística que a todos envolve, para além de credos, raças, cor de pele ou ideias políticas. No respeito pela natureza, pelos animais - que por vezes nos dão verdadeiras lições de vida -, no planeta sempre maltratado, no cosmos no Universo, esse mar que abraça esta nave onde vivemos.
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