Turma Formadores Certform 66

Thursday, March 27, 2014

Equivocos da democracia portuguesa - 329

Muito se tem falado do pós-"troika" - até há quem dispute quem foi de facto o primeiro que teve tal ideia. Mas com o aproximar do fim do programa de ajustamento convém que se comece a perspetivar o futuro. E a pregunta que se coloca é que país vamos ter, ou melhor, que país queremos ter, em 2035? A data não de todo arbitrária. Com a negociação das majorações dos prazos da dívida, será aí que o problema se coloca com mais acuidade. Mas antes de analisarmos a situação, convém que olhemos retrospetivamente para o passado um pouco mais alargado, correndo o risco de nos tornarmos enfadonhos pela extensão da prosa. mas mesmo assim, achamos conveniente fazê-lo. Quando se vai dizendo por aí que Portugal entrou em crise em 2011 e que esteve à beira da bancarrota, acusando a anterior governação do sucedido, tal não corresponde à verdade. Primeiro, porque a crise não começou em 2011 e muito menos induzida por fatores internos. Até gente próxima da governação já vai admitindo que os fatores para tal enraízam em fatores externos a Portugal. Em segundo lugar, a possibilidade da bancarrota não começou em 2011, mas tem sido um fatalismo histórico ao longo dos séculos. Há historiadores económicos que afirmam que Portugal já faliu por sete vezes, há outros que lhe somam mais algumas. Ainda nos recordamos dos tempos longínquos em que eramos estudantes de economia, e numa célebre cadeira de Economia Portuguesa, o professor iniciava o curso dizendo que se ia falar da primeira empresa falida que existiu que se chama Portugal e que a culpa do sucedido tinha sido de D. Afonso Henriques! Já aqui fizemos eco desta questão à muito tempo atrás e julgamos que deveríamos voltar a ela para desmistificar algumas ideias que andam por aí. E nem precisamos de ir muito longe. Recuemos até ao ano de 1882, um dos anos em que Portugal entrou em bancarrota. Era então líder da governação Dias Ferreira e na economia estava João Oliveira Martins. Sim, o Oliveira Martins que é mais conhecido por ser escritor, e um antepassado do atual presidente do Tribunal de Contas. Nessa altura como hoje, havia vozes que diziam que a dívida não se pagava - como Dias Ferreira - e outros que achavam que o que se devia fazer era um acordo com os credores para que se tornasse pagável a dívida - como era o caso de Oliveira Martins. (Já agora, convém dizer que quando esta discussão começou a ter lugar, Eça de Queiroz estava a escrever "Os Maias" indo ainda a tempo de inserir algumas pinceladas no célebre romance. E a título de curiosidade, esta dívida que tínhamos contraído junto dum banco inglês foi, de facto, reestruturada e a última tranche foi paga em 2001!). Mas não pensem que esta discussão é apenas uma questão interna. Nada de mais errado. Quase um século antes - mais precisamente em 1790 - a mesma questão foi colocada do outro lado do Atlântico por Alexander Hamilton. Hamilton foi o primeiro secretário do tesouro norte-americano logo após o fim da guerra civil. Nesse contexto, quando todo o esforço era para a possível guerra que poderia voltar a qualquer momento, também se colocou a possibilidade de não se pagar a mesma. Após a guerra da secessão a dívida era para não pagar, este era o sentimento americano. Mas Hamilton achava que esse não era o caminho afirmando que "é mais fácil desfazer do que fazer" a propósito do crédito público e da maneira como se estava a lidar com a situação. Isto porque a economia precisava de investimento estrangeiro onde o crédito público é fundamental para uma economia se afirmar no exterior. Desde logo se coloca uma questão interessante que é a de termos a consciência de que para além das questões técnicas, mais cedo ou mais tarde, se coloca a questão política e que esta deve ser usada não para se ser o "bom aluno" mas para defender os superiores interesses nacionais. Em termos de teoria económica isto remete-nos para os tempos mais longínquos de Adam Smith. Este afirmava que as instituições para sustentar o crédito público coincidem com as que servem para sustentar as economias do mundo. Aqui se volta à questão política como fator fundamental da questão. O que era válido no século XVIII é parecido com o que acontece no final do século XX. Nestes tempos que são os nossos e na linha do que vimos afirmando, aparece Christopher Trevesh que fala da convocação do estrangeiro para ajudar a resolver um problema de dívida pública. Mais uma vez, o fator político como determinante. E aqui chegados uma questão fundamental e porventura incómodo se coloca. Em democracia como se podem mobilizar as pessoas para mais vinte anos de austeridade? Esta tem sido a questão dos últimos dias. Daí o não percebermos o incómodo do executivo com o chamado "Manifesto dos 70". Porque a questão tem que ser colocada com rigor aqui e agora. Uma austeridade destas por um período tão longo só pode ser feito em ditadura. (Temos o caso das "finanças públicas em ordem" feito por Salazar). Em democracia tal não é possível, a menos que se consiga mobilizar um povo. E para isso, é preciso que ele não seja esmagado por mais e mais austeridade. Daí que a reestruturação da dívida não seja algo de tão estranho como a governação atual nos quer fazer crer. Em nossa opinião, ela é até necessária e urgente. Caso contrário, o serviço da dívida se encarregará de mostrar a impossibilidade de a pagarmos. Ninguém pode negar que tal não tem custos. Essa é até uma questão sistémica neste contexto. Mais uma vez, a questão política está emergente. O problema desta governação foi criar a ideia - e a "praxis" - de que a dívida se pagaria em três anos. Daí o irem para além da "troika". A tentativa vã de pagar a dívida no menor espaço de tempo, foi fatal para o país e para os portugueses. O empobrecimento aí está. A miséria que nos coloca em divergência com a Europa donde somos cada vez mais incómodos. Esta situação também não isenta de culpas a Europa. Agora com o ressurgir da extrema-direita em várias países da união, talvez os responsáveis políticos comecem a pensar de maneira mais consistente. Daí que o "Manifesto dos 70" tenha toda a acuidade. A banca, contrariamente ao habitual, está calada porque detém a maior parte da dívida. Depois o "fetiche" da reforma do Estado que não existe, - ainda se lembram do trabalho de casa pedido a Portas? -, talvez nem seja o prioritário hoje em dia, porque o importante seria a reforma da despesa pública. De tudo isto, e a prosa já vai demasiado longa, fica que, o que nos tem faltado tem sido a assunção do fator político para fazer ver aos credores que esse não é o caminho mais correto. E que ao falar-se numa reestruturação da dívida tal não implica que esta não seja paga. O que ela induz é que, para que de facto a paguemos, precisamos de mais tempo e de condições mais favoráveis. tudo o resto são balelices políticas com que tentam enganar os portugueses. "Que nos interessa termos no fim a dívida paga se não temos país?" pergunta e bem Manuela Ferreira Leite. E quando nos dizem se queremos deixar a dívida a sobrecarregar as gerações futuras, nem conseguem percebe que as gerações futuras estão a ir-se embora e provavelmente já não voltarão. Apenas ficará um país de velhos. Os mesmo velhos a quem confiscam salários e pensões e reformas. Como dizia Keynes: "No longo prazo estamos todos mortos". É hoje que o debate tem que ser feito. É hoje que se têm que tomar as decisões. Se este governo não é capaz de o fazer, é tempo de dar lugar a outros com outra visão estratégica, uma visão mais abrangente desta questão.

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