"Os bustos da República" - Viriato Soromenho Marques

Há dias deu-se um insólito debate na Assembleia da República sobre uma exposição das figuras cimeira do Estado Português. Sobre esta controversa discussão, Viriato Soromenho Marques publicou no Diário de Notícias um artigo muito interessante que pela sua acuidade aqui reproduzo na íntegra: "A recente polémica sobre os bustos de presidentes da República não foi particularmente notável pela inteligência, ou pela profundidade dos argumentos, mas foi certeiramente reveladora da nossa psicologia coletiva. Das suas perigosas patologias. A ideia tola de querer "sanear" os presidentes do Estado Novo, alegando a sua não eleição popular (esquecendo que quase todos os presidentes entre 1910 e 1926 também não o foram), é inteiramente solidária da resistência a considerar o regime inaugurado a 25 de abril de 74 como III República, alegando que o regime do Estado Novo não mereceria ser considerado como II República, como se as raízes do autoritarismo da ditadura de Salazar não estivessem contidas no golpismo violento, que foi a face sombria da I República. No fundo, enquanto a nossa psicologia coletiva se comportar como aqueles indivíduos que têm vergonha dos seus pais e avós, jamais teremos maturidade para construir uma democracia madura. Quem não é capaz de reconhecer a verdade do seu passado, por muito dolorosa que seja, jamais estará em condições de ousar construir um futuro capaz de despertar o melhor que, apesar de tudo, existe dentro de cada um de nós. O passado, ao contrário do futuro, não pode ser mudado, mas deve e tem de ser compreendido. Sob pena de estarmos sempre a tropeçar no seu incómodo cadáver."