Turma Formadores Certform 66

Sunday, August 14, 2016

"Prometo Perder" (excerto) - Pedro Chagas Freitas

(carta de uma criança ao mundo)

Quando leres estas palavras provavelmente já eu estou na casa do Zé, o do 11º andar, aquele que está sempre com macacos no nariz mas não deixa de ser o meu melhor amigo. Os adultos ligam a coisas ridículas como macacos no nariz. Dizem que fica mal e essas tretas todas. Ainda bem que eu já passei essa fase. Agora gosto é de brincar.

Acho que gostar de brincar é uma prova de maturidade (é assim que se diz, não é?).

Quanto mais se brinca mais se ri. E se estivermos aqui para rir mais vale não estarmos, digo eu, que sou apenas uma criança e ainda não sei nada da vida. Hoje já me ri muito, e só por isso já valeu a pena acordar. Eu adoro acordar. É uma das melhores coisas do mundo. Estamos ali parados, de olhos fechados, e tudo está a acontecer lá fora. Há a escola toda para aprender, os amigos todos para falar, o recreio inteiro para correr, os pais inteiros para abraçar. E nós ali, quietos, de olhos fechados. Sem apreciar nada daquilo. Que seca. Eu gosto é de acordar.

Acho que gostar de acordar é uma prova de maturidade (é assim que se diz, não é?).

O mais incrível nesta coisa de viver é que acontece todos os dias.

Acho que gostar de viver todos os dias é uma prova de maturidade (é assim que se diz, não é?).

Sou o mais rápido abraçador cá de casa. Fizemos o teste há uma semana e eu ganhei. Demorei menos de três segundos desde a cama até ao abraço da minha mãe. O meu mano demorou mais dois segundos. Também é bom, claro, até é normal que demore mais, ele já está a ficar velhote, vai fazer dez anos em Novembro. Às vezes penso na velhice e acho que deve ser uma coisa fixe. Os velhotes sabem tanta coisa e já não precisam de ir à escola. Podem passar o dia a brincar, e se isso não é uma das maiores sortes do mundo então eu não percebo nada de vida nem de sorte.

O avó Manel é o velhote mais lindo de todo o universo. Vai comigo ao parque e nem se chateia que eu fique lá duas ou três horas. Só fica a olhar para mim, com um sorriso que não passa, e vai-me acenando com uma mão e limpando com a outra uma ou outra lágrima que lhe cai. Parece que as memórias fazem chorar, e os velhotes têm mais memórias do que sonhos. Deve ser essa a parte pior de ser velho, mas tem de ser. Se não existissem coisas que têm de ser nunca aconteceriam coisas que nós adorámos que fossem. Por exemplo, se eu não tivesse de ir para a escola nunca teria conhecido os melhores amigos do mundo, já viste?

Acho que gostar do que tem de ser é uma prova de maturidade (é assim que se diz, não é?).

Quando leres estas palavras provavelmente já eu estou na casa do Zé, o do 11º andar, aquele que está sempre com macacos no nariz mas não deixa de ser o meu melhor amigo. E tu: com quem vais estar a rir?

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in "Prometo Perder", o meu novíssimo livro

Pode encontrar a obra nos locais habituais ou encomendar imediatamente o seu exemplar autografado aqui:
http://www.pedrochagasfreitas.com/livros/prometo-perder/

(imagem: Jake Olson)

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