Turma Formadores Certform 66

Monday, April 08, 2019

Uma madrugada difícil

Há dias particularmente difíceis e este é um desses dias. Nem mesmo o meu exercício madrugada adentro me fez ver as coisas dum modo diferente. Talvez por isso mesmo, pela noite que ainda persistia, pelos muitos quilómetros percorridos com a chuva a bater no rosto, nem mesmo assim, pude olhar o mundo com outros olhos. Por coisas passadas, (ou não tanto assim), o certo é que há dias que se conjugam para que olhemos para eles como para um buraco negro pronto a tragar-nos. Ao correr pela madrugada as imagens não paravam de saltar na minha mente. Voltei a um tempo já afastado, - dezoito anos atrás -, durante aqueles três ou quatro meses que precederam a morte da minha Mãe. E os meus fantasmas voltaram de novo, pungentes,  avassaladores. Já tinha perdido quase toda a minha família e por isso as coisas foram mais difíceis. Todos sabemos a inevitabilidade do fim da vida, que é a única coisa certa que temos quando nascemos. Já estava habituado por rituais passados. Mas este era diferente. Porque tinha sido despoletado duma forma inenarrável por pura mesquinhez. Não sei se foi isso, ou se foi apenas isso. Para além de tudo, a minha Mãe era a única pessoa que tinha de família. Era com ela que desabafava, com ela que discutia este ou aquele assunto. Depois sobreveio o vazio. Tinha perdido todas as minhas referências. Apenas restava a minha mulher e alguns cachorros, alguns que eram dela também. E a minha vida deu uma volta pela situação criada e por eles também. Confesso que sofri e ainda sofro por tudo o que aconteceu. Ainda hoje não percebo porquê. Mas o destino apiedou-se de mim. Ou se calhar foi a teoria dos equilíbrios da vida aqui a funcionar. Face à minha parca família, deu-me outra de acolhimento e uma criança linda que é toda a luz que resta para iluminar a minha vida. Falo da minha querida afilhada Inês e dos seus pais e irmão. Gente por quem tenho um carinho especial para além de um amor avassalador por essa criança. Ela que já vai conhecendo os meus antepassados porque entre as suas brincadeiras inocentes lá vem uma ou outra pergunta sobre as inúmeras fotos que proliferam na minha casa. A inocência face à intolerância. Será este o efeito compensador daquilo a que chamamos destino? Tudo isto me ocorreu na minha mente enquanto percorria quilómetro atrás de quilómetro. A chuva era fresca, retemperadora, dava-me alento enquanto batia suave no meu rosto. E como eu queria que ela caísse mais e mais para ver se me lavava a alma de tanto sofrimento acumulado. Este é um dia difícil para mim por várias razões. Aquelas que, como é suez dizer-se, a própria razão desconhece. P.S.: Esta foto tem quase sessenta anos. Foi tirada na casa onde nasci. Aqui a minha mais teria cerca de vinte e cinco anos. É uma das primeiras fotos tiradas com a tecnologia da cor, que na época, estava a dar os primeiros passos.

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