Tudo se vai esbatendo

Acabei de doar as últimas coisas que pertenceram ao Nicolau: alcofa, cobertores, trelas, açaime, enfim, tudo aquilo que é pertença dum animal. Sei que em casa elas não estavam a fazer nada e ainda podem ser úteis a outros animais. Mas confesso que me custou. Foi mais um pedaço de mim que partiu, foi mais um pedaço de memória que se foi. Apenas fiquei com uma escova com que escovava o seu pêlo. É pouco, apenas como recordação de ser tão nobre que povoou a minha vida. Resisti a me libertar do que restava dos seus pertences, mas acho que foi melhor assim. Tudo se vai esbatendo, tudo se vai esfumando na poeira do tempo. Mas a memória do Nicolau ainda continuará. Sei que o tempo também a apagará um dia, mas enquanto por cá andar ela permanecerá bem viva. Hoje é um daqueles dia de contradição: por um lado, sei que acabei de fazer bem e ajudar outros animais; por outro, a tristeza de ver mais um pedaço da sua memória partir. Mais um ciclo que se fechou sobre o meu belo e nobre Nicolau.