O sentido da vida
À medida que o Natal se aproxima começo a pensar no balanço de mais um ano. Já à muitos anos que dedico a noite de Natal a essa análise introspetiva sobre o ano que findou e, cumulativamente, com a minha própria vida. Porque quando já se tem alguns anos, temos mais estórias associadas: umas que ficaram, outras que a memória foi esbatendo senão mesmo apagando. Mas algo existencial na minha vida foi sempre o tentar adivinhar o seu sentido. Considero a vida uma benção, algo de divino à falta de melhor expressão. Mas também acho que todos nós nascemos com um designo, seja ele qual for, que será uma espécie de contributo que trazemos ao evoluir das consciências do mundo e que por cá deixamos quando chega a hora de partir. E como este é o meu modelo de partida, fico ainda mais confuso, porque ao fim de todos estes anos, confesso que não sei qual é o meu. A História vai-nos dando exemplos aqui e ali de pessoas que com um único gesto marcaram a sua existência. Uma vezes para o bem outras para o mal. Embora este último, por vezes represente um mal no imediato, embora se venha a ter uma leitura diferente com o passar dos tempos. Estou a recordar-me, por exemplo, de Judas Iscariotes, que passou à História como o símbolo do traidor, mas sem ele, o Cristianismo talvez nunca tivesse existido. Este é o único verdadeiro gesto conhecido deste personagem, cuja vida parece ter decorrido na maior obscuridade. E já que falo de Judas porque não falar da sua vítima Cristo que, embora sofrendo a morte mais horrível que se podia infligir a uma pessoa nessa época, acabou por selar uma religião. E porque não Pôncio Pilatos que, com um simples lavar de mãos, fixou a sua marca. Mas noutras latitudes o mesmo se passa, lembro-me de Sócrates, o filósofo grego que nunca escreveu nada que se conheça mas que foi o fundador duma corrente filosófica. Podemos não conhecer nada dele, mas o gesto de tomar nas suas mãos a cicuta que o levaria à morte a que tinha sido condenado é conhecido de todos. E então Mozart, esse jovem e inveterado rebelde que no fim da sua curta vida e depois de receber uma encomenda que o atormentou iria compor uma obra formidável como o Requiem que nunca chegou a concluir. Esse momento que tanto o abalou foi o clique para despertar a sua imortalidade. E então esse Leonardo oriundo de Vinci, o pintor das obras inacabadas que com um gesto criou uma das suas obras mais conhecidas como a Gioconda. Quadro que sempre o acompanhou até ao fim da vida e que ele foi aprimorando com os anos. A juntar a estes nomes quantos mais poderia aqui citar. A lista seria longa e interminável. Porque acho que cada um de nós tem a sua estória, aquele momento que define a sua existência, aquela marca que assegurará a sua lenda pessoal como diz Paulo Coelho. Eu, como cada um de vós, não sou exceção. O problema é essa definição, essa marca de água que servirá de moldura a uma existência. Já terá passado e nem dei por isso? Ou ainda estará para vir? Esta é uma espécie de demanda do Graal para o qual parece que nunca encontrarei resposta. A maioria de nós não reflete sobre isso, assoberbados que estão pelo trabalho ou pela falta dele, pelo acumular mais e mais ou simplesmente para garantir a subsistência, alienados sempre pelos ruídos do mundo que nos impedem de pensar. Mas esta é uma época de balanço, talvez seja o defeito profissional aqui a imperar, é a altura da análise e da reflexão sobre mais um ciclo que está prestes a fechar-se. Um ciclo a somar a tantos outros ciclos que a vida me tem dado e eu sempre com esta dúvida existencial a bailar na minha mente. E assim continuará até ao fim porque acho que nunca o saberei. Julgo que essa marca, esse sentido da vida, só aparecerá depois da nossa existência ter terminado. Afinal, será, talvez, aquilo que os outros verão em nós. Será esse o segredo? Talvez seja essa não-existência que me perturba. Essa questão sem resposta, será afinal, apenas e só uma quimera? Não penso que assim seja, mas não tenho resposta que contrarie. E assim vou caminhando para o fim de mais um ano onde farei o tal balanço sempre indefinido e inconclusivo. Necessariamente incompleto.
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