O Livro de Enoch e outras coincidências
Joe era um homem pacato amigo dos animais. Toda a sua vida passou com eles. Entretanto desses seus amigos de jornada todos já tinham partido, exceto o velho Nick que estava a caminhar para o fim. Nick estava muito velho e doente, quase cego. Joe gostava de dormir no chão perto dele e Nick adorava a oferta e logo vinha adormecer profundamente junto do seu dono. Mas Nick tinha muitas complicações de saúde e, por vezes durante a noite, acordava com problemas cardíacos e precisava do auxílio dos seus donos. Por isso Joe gostava de ficar perto dele para além de o poder ajudar também queria desfrutar do tempo que restava de vida ao seu velho companheiro de tantos anos. Um dia a meio a noite, Joe acorda com a sensação de estar alguém em cima dele que o sufocava. Ergueu-se a custo porque a respiração lhe fugia, mas logo aquelas duas imagens esguias, uma a olhar de pé e a outra em cima de Joe, se desvaneceram. "Que será isto?' murmurou Joe para si mesmo. Já algum tempo antes, Joe tinha a sensação de que tinha um problema num dente como se alguém lho tivesse tirado para introduzir um qualquer chip, como dizia, e depois o ter colocado de novo. Seria talvez uma tolice. (Mas essa sensação continuou ao longo do tempo e ainda hoje se verifica. Tinha falado à família mas esta riu. Talvez estivesse a um passo da loucura). Pensou então que seriam pesadelos fruto do que estava a sentir pelo seu velho Nick. Logo olhou para ele, deitado ao seu lado, impávido e sereno, dormindo a sono solto, sem se ter apercebido de nada. Joe deitou-se outra vez porque a noite ainda seria longa. Mas não deixou de pensar no sucedido. No dia seguinte contou à família o sucedido coisa que esta desvalorizou por achar também que tudo não passava dum pesadelo. E assim os dias foram correndo até que um dia o velho Nick partiu deixando enorme dor e saudade. A vida voltou ao seu início como dantes, apenas a ausência de Nick se fazia sentir. Decorridos alguns meses sobre este funesto acontecimento, Joe desceu ao seu escritório no rés-do-chão onde Nick tinha terminado os seus dias e ao entrar logo deparou com as tais duas figuras esguias. Parecia que tinham umas máscaras acobriadas, figuras muito delgadas e muito altas. Talvez com dois metros de altura. Joe ficou siderado. (Tal foi a sua surpresa que os pêlos se lhe eriçaram, coisa que acontecia mesmo algum tempo depois, sempre que ia a esse local). 'Outra vez', pensou. 'Que significa tudo isto?' interrogou-se. Essa visão apesar de fugaz marcou-o de tal maneira que sempre que descia ao escritório parecia que sentia a sua presença. Mais uma vez contou à sua família e esta de novo desvalorizou. E mais uma vez o tempo decorreu e foi limpando a memória como sempre acontece. A vida foi continuando e apenas a falta de Nick a fazia mais amarga e dolorosa. Joe tinha uma leitura agendada ia para muito tempo, que era o Livro de Enoch. (O Livro de Enoch é um dos evangelho apócrifos que a Igreja recusou mas que tem sido muito usado na interpretação de vários fenómenos, essencialmente na ufologia). Daí a curiosidade de Joe que até tinha copiado o texto para o seu smartphone para o ler quando tivesse oportunidade. E essa oportunidade chegou. Um belo dia, estava Joe sentado a uma sombra num daqueles dias de canícula e lembrou-se dessa leitura tantas vezes adiada do Livro de Enoch. Começou a ler e ainda não ia muito adiantado na sua leitura quando se cruzou com os tais seres que tanto vinham ocupado a sua mente. Lá está escrito: '(...) gerara, gigantes, figuras esbeltas, cuja estatura era de trezentos cúbitos. Estes devoravam tudo o que o labor dos homens produzia e tornou-se impossível alimentá-los'. E mais adiante: 'Sentinelas foi seu princípio e a sua primeira fundação.' Leu e releu. Ficou a pensar. Não era influência da leitura as suas visões. Ele só nessa altura teve contacto com o tal Livro Misterioso de Enoch. Passados mais alguns meses, nova visão assolou a vida de Joe. Desta vez a aparição era apenas duma única entidade, alta como as anteriores, mas não tão escura, era branca e luminosa com umas protuberâncias nos ombros que pareceram a Joe duas asas recolhidas. Apesar de assustado, Joe sentiu algo bem diferente daquilo que tinha sentido antes. Desta vez, sentiu uma paz interior e uma serenidade que lhe deixaram uma marca bem funda na sua memória. Mais uma vez contou à família mas esta já estava cansada de ouvir estórias dessas e nem lhe deu atenção. Mas Joe ficou a pensar em tudo aquilo que já durava por mais de um ano e, sobretudo, por esta última lhe ter transmitido uma sensação bem diferente das anteriores. Aquela paz interior era algo de precioso que sempre levava dentro de si fosse para onde fosse. E foi então que num outro dia, aquele belo ser alto, esguio e luminoso, se cruzou com ele. Disse-lhe que não tivesse medo e que o acompanhasse. Era madrugada ainda. De manhã, a sua mulher, Sara, não o vendo foi à sua procura. Encontrou-o deitando no chão do seu escritório, com o seu corpo frio, rígido. Mas na palidez do seu rosto vislumbrou algo luminoso, como se uma luz emanasse do seu interior. E um sorriso esboçava-se. Um sorriso de algum espanto mas também de muita paz e felicidade.
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