Turma Formadores Certform 66

Thursday, September 03, 2020

Um anjo na noite - 3ª e última parte

 

Mais tarde, foi acordado pelo badalar de um sino. ‘Coisa estranha’ disse para consigo. Afinal em New York estes sons não se escutavam. Talvez estivesse nos subúrbios bem longe da azáfama que esta grande cidade ostenta dia e noite. Viu luz entrar pela janela e instintivamente tateou o lugar a seu lado na expectativa de sentir o corpo da mulher. Mas não o encontrou, apenas uma cama fria como se não estivesse estado lá ninguém. Soergueu-se lentamente para ver melhor e foi então que viu uma carta delicadamente pousada no lugar que antes esteve ocupado pela sua misteriosa companhia. Era um envelope branco donde se fazia sentir um certo odor perfumado. Abriu a carta e leu a mensagem curta, mas incisiva que tanto o perturbou. Dizia assim: ‘Há uns anos atrás salvei-te a vida, hoje acompanhei-te para que não voltasses a seguir o mesmo caminho que pensaste para ti há muitos anos atrás. Mas ainda não era a tua hora. Quando me voltares a ver de novo saberás que terás que me acompanhar.’ E então tudo ficou claro na sua mente. Afinal o rosto que lhe parecia familiar era o da mulher que o tinha salvo da tentativa de suicídio há um par de anos. Ele bem que achava que aquele rosto lhe era familiar. Agora tinha tido um dos momentos mais épicos da sua humilde existência com ela, na sua cama, na sua casa. (Será que aquela cama e aquela casa seriam dela? Seria apenas um sonho revelado? Algo mais próximo duma epifania do que um castigo eterno?) Perguntas que passaram rapidamente pela sua mente. Rapidamente se ergueu e se preparou para sair. Contudo, não o fez logo, teve tempo e vontade de dar uma volta pela casa talvez na vã expectativa de ver de novo tão importante criatura. Mas no seu íntimo sabia que não a iria encontrar. Ela não estaria ali à sua espera. Acabou por sair para a luz do dia. Enfrentou o bulício da grande cidade mas continuava a não saber bem onde estava. Achou mais seguro apanhar um táxi e voltar para casa. Uma e outra vez mirou o envelope que trazia na mão. E que acabou por guardar no bolso do casaco. Sorriu levemente para si mesmo, num gesto que não escapou ao motorista. E lá foi estrada fora em silêncio, um silêncio deslumbrado mas também preocupado. Sabia que se tinha cruzado não com uma mulher da noite mas com um anjo. O seu anjo. Aquele que o salvou uma vez, e que se revelou agora duma forma mais perene e lhe limpou a mente, mas sabia também, que um dia o viria buscar para a sua derradeira viagem. Um misto de sentimentos se cruzou no seu pensamento. Uns mais otimistas outros nem por isso. E foi nesse emaranhado de emoções que desapareceu engolido pelo bulício da grande cidade.

Leça do Balio, 29 de agosto de 2020

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