Deus e Saramago - Uma velha polémica
Temos vindo a assistir a uma polémica, porventura sem sentido, entre José Saramago e algumas pessoas bem-pensantes da nossa praça. Algumas dessas pessoas, assumem uma atitude inquisitorial, entre elas destaco o euro-deputado social-democrata Mário David, a quem fiz referência já neste espaço, e que ninguém conhece, para além dos seus pares, e não deverão ser seguramente todos. Isto faz-me lembrar a polémica entre um antigo secretário da cultura de Cavaco Silva, nos idos anos 80, de seu nome Sousa Lara, lembram-se, talvez não, numa outra polémica que tomou forma com o livro "O Evangelho segundo Jesus Cristo" do mesmo autor, que colocou o livro numa espécie de Index à boa maneira da inquisição. Estes candidatos a inquisidores normalmente são devorados na poeira do tempo e José Saramago já entrou na galeria dos imortais, quer gostemos dele ou não. Um homem que se atreveu a ganhar o Prémio Nobel, um escritor, um artista, tem que ter direito ao seu imaginário, que pode ser, e é normalmente, muito diferente do nosso. Não poderá adevir daí algum mal ao mundo. A polémica em torno de "Caim" o seu último livro, não faz sentido, e admira-me que os representantes da Igreja Católica se precipitem e alimentem uma polémica que deviam desvalorizar, e esperar que o tempo a esvazie. Tal precipitação faz lembrar a polémica que existiu em torno do livro de Dan Brown "O Código Da Vinci". O Patriarcado de Lisboa não deixou de fazer referência ao livro, bem como, em todas as igrejas e paróquias deste país, facto que constatei pessoalmente, e o próprio Vaticano não deixou de comentar. Penso que tal atitude apenas dá publicidade aos livros e seus autores, em vez de deixar que o tempo se encarregue de resolver o assunto. Em questões de origem metafísica e religiosa, temos sempre que ter algum cuidado e contenção, para não cairmos até no ridículo. Se se tratou dum golpe publicitário, a editora de José Saramago deve estar muito contente, porque atingiu os seus objectivos na sua plenitude. Como dizia Antero de Quental "temos que ter cuidado porque quando menos esperamos, o inquisidor que existe dentro de nós, faz a sua aparição com o seu churrilho de injustiças". Saibamos distinguir o artista do metafísico e dar espaço à arte e definitivamente perdermos os complexos inquisitoriais que ainda temos, qual reminiscência do passado. Eu também não me revejo nas afirmações de José Saramago, mas tenho também presente, tudo aquilo que se fez e faz, em nome de Deus, ao longo do tempo. A inquisição não foi um episódio de ficção, os autos de fé também não. Exorcizemos estes fantasmas para que não sejamos pasto fértil da intolerância que criticamos nos outros. Se este episódio se tivesse passado num país árabe, estaríamos a falar da intolerância e fanatismo do Islão, e duma qualquer seita que se prepararia para alguns atentados. Lembre-mo-nos do que aconteceu com as caricaturas sobre Maomé feitas por um artista dinamarquês e a maneira sobranceira como o Ocidente tratou o tema, e até como o Vaticano entrou na liça, desvalorizando-o e apelando ao diálogo. Aqui estamos perante uma situação idêntica mas de sentido contrário, é bom que não tenhamos dois pesos e duas medidas, sejam quais forem os interlocutores.
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