Turma Formadores Certform 66

Friday, July 08, 2011

Conversas comigo mesmo - XVIII

Neste mundo conturbado em que vivemos, por vezes, temos alguma dificuldade em nos situarmos, em o aceitarmos. Sentimo-nos perdidos, sem rumo, consumidos pela desesperança. Por vezes, o recurso ao transcendental é um caminho, talvez o último, quando todos os outros se esgotaram. Só nos lembramos deste caminho quando nos sentimos assolados pelas dificuldades, quando percebemos que afinal não somos Deus, embora o pensassemos quando a vida nos corria de uma outra maneira. Então buscamos algo que nos identifique com o sobrenatural, para comungarmos com ele, para sentirmos o sentimento de pertença que, por vezes, nos falta e de que tanto necessitamos. O sinal de pertença de S. Paulo não pode ser mais claro: "Se alguém não tem o Espírito de Cristo, não Lhe pertence". Ou seja, o sinal decisivo da nossa ligação e da nossa pertença a Jesus Cristo e ao seu povo não é, fundamentalmente, a aceitação de um credo, de um culto ou de uma moral, mas a abertura constante da nossa vida ao seu Espírito, e a vontade sincera de O acolher e de nos deixarmos conduzir e moldar por ele. Como saber então que tal acontece? Quais os sinais da sua presença e da sua influência benfazeja? O Evangelho aponta-nos três características fundamentais do Espírito de Jesus: 1. A mansidão: O discípulo de Jesus tem apreço pela paz e por tudo o que a pode construir, a saber, a justiça e a verdade, a compreensão e a tolerância, a boa vontade e a paciência e uma confiança inabalável na força vitoriosa do amor. 2. Humildade: O discípulo de Jesus vive com os pés no chão, ao nível dos outros e sente-se igual a todos. Por isso é de espírito aberto, acolhedor e serviçal. 3. Misericórdia: O discípulo de Jesus rejeita toda a indiferença face aos problemas e necessidades que se lhe deparam. Sabe olhar e compadecer-se, sabe aproximar-se e oferecer com amizade a sua ajuda desinteressada. Quantos de nós o partilhamos diariamente. Quantos, em vez da mansidão proclamada se deixam afundar no mar da cólera, da intolerância, da agressividade. Quantos em vez da humildade assumida, têm para com os outros a sobranceria de quem tudo quer e tudo pode até ao dia em que a roda da vida se inverter. Quantos em vez da misericórdia desejada, vão por caminhos ínvios onde a saída não existe ou, a existir, será sempre o aniquilamento do outro, do outro que também é nosso semelhante, com a indiferença dos poderosos e a mesquinhez de quem nunca passou por dificuldades e acham que estas nunca cruzarão o seu caminho. Há, de facto, sintomas deste Espírito na nossa vida? Talvez não, embora cada um deva fazer a sua introspecção e tirar as suas conclusões. Mas, mais uma vez, estou a utilizar a liturgia católica - a que conheço melhor - mas, atrevo-me a dizer que fora dela também estes valores são referência. Seja qual for o credo que professamos - mesmo para aqueles que não têm credo - mas que pensam que ao seu lado existe um outro que sofre agruras e revezes, que um dia nos podem atingir também, não terá certamente um pensamento algo diferente deste. Com outros "personagens", com outras referências, mas acima de tudo, com o espírito aberto, o espírito solidário e fraterno que hoje se reclama face às dificuldades que todos atravessamos, com a esperança dos "jasmins" enquanto não murcharem - algures numa qualquer praça Tahir -, pensando sempre que este é o tempo, que não existe mais tempo para além deste tempo, que é agora. "Quando o povo passa fome o rei não pode comer faisão" proclama frei Fernando Ventura, e será que é assim, mesmo entre nós? Mas é bom que seja, ou que venha a ser rapidamente. Este é o sinal da urgência em que "os mansos vêm para a rua fazer a revolução, antes que os violentos venham para a rua fazê-la". (Frei Fernando Ventura dixit). Este é o tempo, o tempo urgente, o tempo já sem tempo, o agora. À que reflectir, à que pensar, entre "o eu solitário terá sempre que haver um nós solidário", e como nos esquecemos disto todos os dias.

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