Turma Formadores Certform 66

Wednesday, June 20, 2012

Equivocos da democracia portuguesa - 188

Nesta Europa à beira do abismo, sem rumo, tutelada pela Alemanha, há que analisar a problemática de tudo isto, duma forma sucinta, porque este assunto dava para preencher muitas e muitas páginas. Se a Alemanha começa agora a perceber que não pode viver sozinha, deixando a crise para os outros, porque afinal ela vive nos negócios com os outros países que hoje não têm fundos para negociar com a Alemanha, começasse a pensar que afinal a Alemanha não pode continuar à margem da crise, vindo mais cedo ou mais tarde, a sofrer as suas consequências, mesmo que seja duma forma reflexa. (A baixa do "rating" dos bancos alemães e austríacos, que à dias se verificou, é disso um bom exemplo). Mas é bom que olhemos para o problema criado, tentando perceber duma forma simples, o que está em causa, visto também estarmos a ser atingidos pela dita "crise", quando há alguns anos vivíamos na maior das prosperidades. À medida que se verificou a liberalização financeira o crescimento da dívida acompanhou esse movimento. O Tratado de Maastricht o Tratado de Lisboa fizeram o resto. Os governos começaram a pedir emprestado àqueles que decidem não taxar. O serviço dos juros realiza uma transferência de riqueza em benefício dos detentores dos títulos da dívida. Reforçam assim o seu poder económico e o seu peso político. Os governos baixam de novo os impostos antes de protegerem abertamente as grandes fortunas em relação aos impostos. Este foi o caso da França em 2007, sob a política de Sarkozy, mas não foi o único país que fez isso, tenhamos isto por adquirido. Então, os mercados podem ditar a sua política aos governos enquanto estes dão sermões aos cidadãos sobre "a obrigação moral de honrar as dívidas". Já não devemos falar de "ditadura dos mercados", mas sim de profunda cumplicidade entre os governos e a finança, de tal modo é flagrante aquilo a que alguns chamam a sua "submissão voluntária" aos bancos e aos "Hedge Funds". Então, torna-se indispensável baralhar os dados. É preciso procurar maneira de tornar os cidadãos comuns responsáveis pelo endividamento, quando é sobre eles que recai, nomeadamente por causa do IVA, a parte mais importante da fiscalidade. É nesta altura que os governos inventam uma célebre frase, a que o nosso governo não escapou, de que "os Estados vivem acima das suas possibilidades". E quando isso aconteceu, tornou-se claro que os cortes nas despesas do Estado eram uma prioridade absoluta da política económica. E quando as receitas fiscais baixam e o endividamento é "um golpe contra as gerações futuras", restam os cortes claros nas despesas orçamentais, o congelamento dos salários dos agentes do Estado, a "reforma das pensões", a "reforma do Estado" - redução do número de funcionários e desmantelamento do estatuto da Função Pública - e a acelaração da privatização dos hospitais, do ensino e do que resta dos serviços públicos. A concorrência fiscal intra-europeia foi o produto da liberalização financeira saída do Tratado de Maastricht. Na zona euro, o Luxemburgo é o eixo dela, seguido da Bélgica, sem esquecer o caso especial da Irlanda. O "Manifesto dos Economistas Aterrados" - que já foi objecto de divulgação neste espaço - caracteriza o conjunto desta evolução como tendo, pelo contrário, valor de "contrarrevolução fiscal". Daqui resulta que, na generalidade dos países, bem como, no nosso, que o endividamento público tem a sua fonte principal no baixo nível e na fraca produtividade da fiscalidade directa, bem assim como na evasão fiscal. O caso da Grécia é um verdadeiro "case study". A Grécia em determinada altura aumentou a sua dívida ao tentar enveredar por aquisições massiças de armamento, cada vez mais caro e sofisticado, induzido pelos países que são fabricantes deste tipo de material, como é o caso da França, que muito beneficiou com este negócio até agora. Depois, aparecem a cobrar aquilo que induziram os outros a comprar daí o chamar-se de "dívida ilegítima" aquela em que muitos países estão metidos, como é o caso grego, mas também de Portugal. (Ainda se lembram do caso dos submarinos?) Depois de se ter caído nesta teia, dificilmente se sai dela. Daí o haver cada vez mais quem defenda a reestruturação da dívida ou o rasgar, puro e simples, dos acordos com a "troika" como vimos na Grécia, mas também entre nós. No fundo, o essencial do problema prende-se com a criação do euro sem que houvesse a criação do modelo de governo central da UE. Quando o euro foi criado, a Europa estava dominada pelas forças defensoras do federalismo, coisa que agora não existe, o que levou a uma desaceleração da criação desse "governo central" onde o BCE tinha um papel importante, na emissão não só de "eurobonds" - hoje tanto na moda no discurso político - mas em algo bem mais eficaz como é o caso de emissão de moeda. Hoje a moeda de negociação internacional continua a ser o dólar, enquanto o euro é uma moeda que circula apenas dentro da UE e com um cariz mais especulativo. Daí que esteja sempre a ser objecto de ataques por partes daqueles que querem ganhar muito e facilmente, os verdadeiros especuladores que, eufemisticamente, chamamos de "mercados financeiros". Enquanto essa correcção não for introduzida, enquanto a Europa não caminhar para um modelo federal - sonho de Jean Monet e Jacques Délors - dificilmente ela será uma união estável, correndo até o risco de se desagregar a curto prazo e estilhaçar aquilo que era o seu factor de união, - a moeda única -, o euro. Mas para isso, será necessário começar a alterar a visão ultraliberal que hoje domina a UE. Daí o regozijo de muitos com as mudanças em França. Mas esta não é uma tarefa para um homem só, será necessário que outros países acompanhem a mudança, para que esta se torne efectiva e possa produzir frutos. Até lá, assistiremos à recessão continuada, ao empobrecimento, ao desemprego e, acima de tudo, ao descontrolo da dívida, porque os estados não conseguem sequer pagar o serviço da dívida, como é o caso dos países intervencionados. E para que tal aconteça, também não podem os bancos - verdadeiros causadores de tudo isto - passar ao lado e financiarem-se a custos muito baixos junto do BCE para depois emprestarem a juros usurários aos Estados, embora abaixo dos "Hedge Funds", como já deixamos entender atrás. Enquanto tal não acontecer, a Europa continuará a caminhar para o abismo, onde todos cairão, mesmo aqueles que hoje pensam que estão ao abrigo de todo e qualquer sobressalto.

0 Comments:

Post a Comment

<< Home