O dia dos ausentes
Mais um dia 1º de Novembro como acontece todos os anos. É o Dia de Todos os Santos que teimosamente, talvez por ser feriado, leva as populações aos cemitérios para homenagear os seus ausentes. Embora o dia de finados seja a 2 de Novembro este é o dia por excelência para encher os cemitérios e matar saudades. Embora o poder político efémero e passageiro tente limpar do calendário a data, estou certo que as populações continuarão a celebrá-lo. Eu não sou exceção porque a minha galeria de ausentes está cheia, onde as saudades são muitas, e este breve "reencontro" é como se os voltasse a ter de volta. Mas não, não os terei jamais, apenas a memória fica, qual banco de jardim vazio onde nada mais resta do que a solidão e o silêncio. Hoje volto a reencontrar-me com as minhas memórias, memórias de ausentes queridos, memórias que doem, memórias que ferem como ferro em carne nua, memórias que são um bálsamo mas também o ampliar e o rever momentos trágicos que antecedem este corte do cordão umbilical que nos liga à vida. Quando a família que temos, na sua esmagadora maioria, já deixou o banco de jardim, este momento de saudade prefila-se também como um momento de dor. A dor que corrói, a dor que incomoda, a dor que por vezes nos destrói o alento de irmos em frente na estrada da vida. Por vezes, penso nisso, por vezes sinto-me cansado e tenho vontade de me sentar na beira do caminho porque já as forças me faltam para cumprir a jornada que é a minha, que me foi destinada neste tempo e espaço, nesta dimensão em que vivemos. Hoje é o dia do reencontro. Embora os visite com frequência, este é o dia, o dia com uma carga emocional maior nesta cultura judaico-cristã de que estamos imbuídos. Hoje voltei a ser menino, nas traquinices, nas meninices, nos brinquedos, nos afetos, nos carinhos, que a memória me trouxe de volta com os meus ausentes, protagonistas de tantas destas estórias. Hoje sinto um misto de alegria e de tristeza. Alegria destas memórias que me fazem recuar ao que de melhor existiu na minha vida; de tristeza pelo que estas mesmas memórias me trouxeram de dor, de sofrimento, de assuntos não resolvidos ao longo da vida que me doiem profundamente. Neste dia que o calendário nos faz revisitar a cada ano que passa, elas lá estão, as memórias mais profundas, mais sofridas. Quando a vida nos coloca numa situação em que a galeria dos nossos ausentes já se sobrepõe aqueles que fazem a vivência quotidiana, estas coisas assumem uma amplitude mais larga, mas profunda, mais sofrida. Este é o dia de celebração das memórias que preencheram os meus dias, os dias da minha existência, sobretudo, retendo aqueles momentos em que a felicidade brotou pela ação destes ausentes. Hoje é o dia em que, por fugaz que seja a visão, o banco de jardim se preenche daquelas pessoas, - de espetros -, daquelas memórias, que me ajudaram em determinado momento no percurso da vida. Por isso, este dia é tão importante para mim. Por breves instantes deixo de estar só, eles estão ali à distância do imaginário, à distância da força do desejo do reencontro. Que descansem em paz!
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