A propósito duma exposição - Graça Morais e os "Desastres da Guerra"
Hoje venho falar-vos duma exposição que muito tem a ver com a crise, é uma espécie de exposição sobre a crise que vivemos, que é da autoria de Graça Morais, subordinada ao tema "Desastres da Guerra". Essa exposição está patente em Lisboa na Fundação de Arpad Szenes-Vieira da Silva. Ela tem muito a ver com os tempos que nos percorrem. Nas pinturas e desenhos de Graça Morais prepassam os anseios e angústias de todos nós, dos desencantos, das lágrimas expostas e sofridas, dos dias de desalento por que passamos. Num país a quem já retiraram a esperança, num país destroçado, humilhado e ofendido, desde logo pela "troika" e depois por um governo subserviente a interesses ultramontanos que, duma maneira subreptícia, vai impondo mais do que estava obrigado na ânsia desmesurada de implantação do seu programa político que não foi referendado pelos portugueses. Projeto ultra-liberal que teve a sua fase gloriosa quando reduziu à miséria os países da latino-américa nos finais do século passado. Projeto que tem muitos ideólogos, desde logo, - e para aqueles que gostam destes temas -, o mais icónico de todos, Milton Friedman, o homem que foi conselheiro económico de Reagan, que não tendo espaço no seu país para as suas experiências acabou por fazê-lo, essencialmente, no Chile, Argentina e Brasil. O homem que, tal como muitos ideólogos que por cá andam pagos a peso de ouro por todos nós, achava que a desvalorização do fator trabalho era o mais importante para a competitividade. Servido por ditaduras ferozes, as suas ideias foram lançadas no terreno vindo a levar esses países para a vereda da miséria e da opressão. Dizia Friedman que para diminuir o desemprego se deveria "por um trabalhador a abrir um buraco e levar a terra para outro que ele tinha aberto antes e assim sucessivamente"! Falso trabalho que iludia as estatísticas, oprimia e degradava quem o fazia, desvalorizava o seu valor. Por cá, ainda não chegamos aí, mas existem situações mais sofisticadas para o fazer. A desvalorização do trabalho, desde logo, pelo não aumento do salário mínimo, é uma delas. Num país que tem o salário mínimo mais baixo da Europa, num país onde os empresários - sobretudo os de visões largas - estão até dispostos a aumentá-lo, o governo vem justificar o contrário. Este executivo, já há muito, divorciado do seu povo, não consegue perceber as condições de miséria em que vive o seu país. No luxo dos seus gabinetes, estes agentes não conseguem perceber que muitos dos portugueses viram um buraco imenso abrir-se debaixo dos pés dum dia para o outro a que só a solidariedade de amigos ou de familiares evitou males maiores derivados do desespero. Porque não se disfarçam estes governantes, como fazia D. Pedro, e virem para a rua para o meio do povo, para os cafés, e ver o que lá se diz, as lágrimas que por aí se choram, o desespero que nos invade e corrói até à medula. A cores fortes de Graça Morais dizem-nos tudo isto, deixam-nos a pensar que estamos perante um desastre nacional, diria mais, um desastre europeu de consequências que ainda não vislumbramos bem. Mas, e acima de tudo, deixa-nos este travo amargo dum país à beira da guerra, duma guerra surda - ainda não de armas, e esperemos que não se chegue aí -, numa Europa que está a desagregar-se e que, enquanto existe unida, tem sido o maior fator de pacificação europeu. Num mundo em colapso, numa Europa no abismo, num país destroçado, até ficamos com a sensação de sermos uma espécie de sobreviventes duma guerra, seja lá ela qual for. E desenganem-se os que pensam que as manifestações são suficientes ou as canções por mais incómodas que sejam. "O trabalho de Graça Morais trata do tempo e do lugar. Ela construiu a sua imagem investigando memórias e transformando realidades: a do Portugal rural que mudava e perdia o seu tempo e o seu lugar no mundo", pode ler-se na apresentação desta exposição. Uma exposição que merece um olhar atento e refletido, sobretudo, nestes dias de inquietação que são os nossos. Quanto a Graça Morais não será necessária qualquer palavra, ela tem um percurso imenso na arte e na cultura portuguesas. Como hoje se comemora o Dia Internacional da Mulher nada melhor do que homenagear uma, - e com ela todas as outras -, pela sua estatura, pela sua dimensão, neste país pequeno e mesquinho à medida dos políticos que andam por aí.
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