Conversas comigo mesmo - CXXX
Hoje completam-se doze anos sobre a morte de minha Mãe, Maria Odette. Era
então um domingo solarengo, Domingo de Ramos. Pelas onze horas da manhã a minha
Mãe desistia da vida, enquanto eu estacionava o carro no parque do Hospital
Pedro Hispano, onde ela estava internada, e aguardava a entrada para a habitual
visita. A minha mulher foi a primeira a entrar enquanto eu fiquei a aguardar,
(nestas coisas de hospitais a coragem costuma faltar-me), estranhei a sua demora, até que ela apareceu com um saco cheio de roupa e a
chorar. Deu-me a nefasta notícia. Não quis acreditar. Trouxe o carro até à casa
dela, ainda hoje me pergunto como consegui. O mundo tinha acabado de desabar
sobre a minha cabeça. Não pela morte em si, que já era coisa de não pequena
monta, mas pelas condições que a isso conduziu. Já tinha enterrado a minha
restante família, a minha Mãe era o elo que me restava. Isso ampliou também a
irreparável perda, mas sobretudo, quando temos a sensação de que esta morte foi
ampliada pela intolerância humana que outros tiveram para com ela, deixando na
boca o sabor amargo de mais do que uma morte natural, um assassinato foi perpetrado.
Não quero fazer disto um ajuste de contas com ninguém. Afinal já perdoei -
julgo eu - àqueles que foram o verdadeiro móbil da situação. Não quero fazer
disto uma punição que se repete ano após ano. Mas passados doze anos (que hoje
se cumprem) ainda não consegui digerir a situação e o impacto que ela teve na
minha vida desde então. Ainda hoje, enquanto alinho estas palavras, me parece
ouvir a voz da minha Mãe a pedir para que eu perdoasse que ela já tinha
perdoado à muito aos seus sicários. O vir aqui com esta triste efeméride, é uma
espécie de catarse para quem desde então tanto tem sofrido. A minha Mãe tinha
66 anos quando partiu, ainda com muito tempo pela frente. Já viúva mas com
muita dinâmica e coragem muito à imagem da sua mãe e minha avó. Hoje apenas a
quero relembrar como se ainda estivesse junto de mim. Doze anos passaram e é
como se tivesse acontecido à pouco. Posso retratar com pormenor as últimas
semanas de vida que ela teve ponto por ponto. A minha descida aos infernos que
então se verificou foi de tal modo profunda que de lá nunca mais consegui sair.
Agora só me resta a saudade. Que é muita. A inevitabilidade da morte, pungente
como sempre, aí está a impor-se. Hoje apenas te quero recordar. Recordar nos
momentos felizes que tiveste, nos momentos infelizes em que te vi chorar. Hoje
apenas te quero recordar como aquela que serviu de ligação para que outro ser
viesse a este mundo com o objetivo talvez de... sofrer! Se foi assim, podes crer
que o desígnio se cumpriu. Não tens a culpa, apenas foste a vítima, tal como
eu. Neste dia, minha Mãe, apenas quero desejar-te que estejas em paz num mundo
de luz que bem o mereces, enquanto eu caminharei no meu mundo pejado de sombras
e escuridão que, desde essa altura à doze anos atrás, se tornou o meu desígnio.
Descansa em paz, minha Mãe!
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