Turma Formadores Certform 66

Wednesday, May 22, 2013

Desporto versus desportivismo

Não sou um amante do desporto, sobretudo, de futebol. (Mais adiante explicar-vos-ei porquê). Por isso quis fazer esta reflexão que me apoquenta vai para muitos anos. Sempre que há um jogo de futebol os adeptos da equipa ganhadora enchem os ecrãs de televisão, as redes sociais ou outros espaços quaisquer que eles sejam, com uma avalanche de impropérios dignos de qualquer indivíduo saído duma qualquer sarjeta. Nunca compreendi isso e continuo a não compreender. Por que será que pessoas que conheço, que são pessoas de bem, se transformam nesses seres abjetos dignos do mais profundo "hooliganismo"? Gestos desses apenas os vi repetidos quando fui estudante em Londres vai um par de anos. Não tinha a ver com futebol ou outro desporto qualquer, mas sim, com os funcionários da City - o coração financeiro da Grã-Bretanha - que iam todos os dias muito circunspectos e bem vestidos para os seus empregos e na sexta-feira ao fim da tarde quando esta encerrava se transformavam em algo inexplicável como uma onda avassaladora, - e nem sempre pacífica -, que percorria os "pubs" em torno do dito centro financeiro. Assisti a isto variadas vezes, e um dia tentei buscar uma explicação. Foi-me dito que aquilo era uma forma de escape depois duma semana, onde o rigor da vida era a norma, e isso era tolerado para que no início da próxima tudo decorresse como era suposto acontecer. Talvez isso seja uma explicação para o fenómeno desportivo, onde o saber perder e ganhar é importante, embora estejamos bem longe desse patamar. Dos protagonistas, jogadores e treinadores, não espero nada porque a maioria deles são pessoas com culturas básicas, saídos de meios frágeis que o dinheiro depois, vai transformando embora nunca dando o aprumo que era exigível. Chegado aqui julgo interessante contar-vos uma estória - e aqui vos explico porque me mantenho afastado desse desporto que é o futebol - que tem mais de quarenta anos, era eu um jovem estudante do ensino privado e que, aos 14 anos, viu entrar pelo seu colégio dentro um número elevado de jogadores de futebol duma equipa importante do nosso meio desportivo. Eram todos júniores e mais velhos do que eu. (Tinham vindo para o ensino particular porque já tinham chumbado por faltas no ensino público ainda o ano ia a meio)! Nessa altura, eles eram uma referência para muitos de nós, até ao dia que começamos a ver o que de facto tínhamos por colegas. Essa equipa era constituída por jogadores que, nessa altura, se pensava que teriam um futuro brilhante. Eles também pensaram assim. Daí que, desbaratando o esforço do clube que, - numa atitude louvável, tentava valorizar os seus atletas, lhes pagavam as proprinas e o material escolar que ostentava o carimbo do clube -, assisti a que muitos vendiam os próprios livros para obterem dinheiro para os seus exageros de juventude. Lembro-me bem dum deles, chamava-se Guedes e era defesa central. Para além de bom jogador, segundo os entendidos, era um excelente colega e aluno muito inteligente. Era meu colega de carteira e trocavamos informações que, mais tarde, me foram muito úteis para a minha visão desse mundo avassalador do futebol. O Guedes era dos mais velhos. Um rapaz pacato e inteligente, como atrás já referi, (bem longe dos outros seus pares que tinham chegado), mas um belo dia passou a sénior. Passou a fazer parte duma equipa de elite, comandada por um treinador já desaparecido e que ainda hoje é referência no futebol português. O Guedes, obviamente, ficou no banco mas, mesmo assim, sentiu-se uma estrela. O seu ordenado inicial foi de 30 contos (150 euros) que na altura era uma pequena fortuna. Desde esse dia, o Guedes começou a aparecer menos nas aulas, depois surgiu com um automóvel topo de gama a fazer imenso ruído como se usava na época e daí às mulheres espanpanantes foi um pulo. O Guedes nunca mais foi o mesmo. Mas o futuro do Guedes reserváva-lhe uma surpresa. Perdi-lhe o contacto e muitos anos volvidos, vi uma notícia num jornal, com uma imensa foto do Guedes, na qual vim a saber que ele não tinha triunfado na famosa equipa a que pertenceu e tinha ido para uma outra, muito modesta da segunda ou terceira divisões, para usar a terminologia da época. Nessa notícia, o Guedes lamentava-se de não ter ouvido o que os seus familiares e amigos - entre eles eu próprio - lhe tinham dito. Agora não era estrela - nunca o chegou a ser - sem um curso e sem futuro numa carreira que se aproximava do fim. (Aos outros seus colegas foi-lhes reservada a mesma sorte). Não soube mais nada do Guedes desde essa altura e já passaram cerca de trinta anos. Esta é apenas uma estória de muitas outras em que o futebol alterou para pior a vida dum homem que, doutro modo, poderia ter tido uma vida diferente e contribuído para o futuro seu e do seu país. Esta máquina avassaladora do mundo do futebol tudo vai devorando, no futuro curto dos atletas que acham que a sua carreira nunca mais acabará. Hoje as coisas são um pouco diferentes. Os clubes "enfiam" uma cassete na cabeça dos seus atletas para que quando são entrevistados digam alguma coisa de coerente. Mas todos dizem sempre o mesmo, com os mesmo tiques, sejam eles de que clube forem. E assim, pergunto se, mesmo em nome do clube do coração, se justifica aquilo a que assistimos. Onde vai o desporto (desportivismo) de tempos idos, onde as famílias iam ver o futebol, como iam ao cinema ou ao teatro? Porque será que o fanatismo tomou conta deste desporto, que impede que as famílias vãos aos estádios, sobretudo em jogos ditos grandes, que são esses que mais interesse despertam para os apaniguados? Porque será que, nestes tempos difíceis que atravessamos, tanta gente que vive da assistência social paga por todos nós, arranja dinheiro para acompanhar as suas equipas ao estrangeiro, ou para encher os estádios por cá, com bilhetes que estão longe de serem baratos? Afinal para onde vai o desporto? E já nem falo em desportivismo que é uma palavra que não entra no léxico de muitos que dela nem sabem o devido significado.

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