Conversas comigo mesmo - CXXXIII
Há momentos em que a solidão nos ajuda a pensar e a repensar a vida. A nossa e a daqueles que já por ela passaram e povoaram a nossa existência. Isto a propósito do dilema inevitável da velhice e da maneira como as novas gerações lidam com ela. Quando era menino, apenas os homens trabalhavam e as mulheres ficavam em casa a cuidar desta e dos filhos, como era costume dizer-se. Nem todas assim o faziam, - afinal não há regra sem exceção -, mas sobretudo, porque as hipóteses de trabalho para as mulheres eram menores numa sociedade machista, dominada pelo homem onde a mulher não tinha direitos ou os que tinha eram tão poucos que é como se não os tivessem. Assim, o problema da velhice era encarado duma outra forma, porque as pessoas normalmente tinham sempre familiares disponíveis, por isso, nessa altura morria-se em casa junto dos seus. Hoje a sociedade é bem diferente. Com avanços significativos - desde logo nos direitos das mulheres - mas também numa evolução para uma sociedade mais equilibrada em que ambos os cônjuges trabalham para sustentar a casa, e mesmo assim, por vezes, não chega. Se cada moeda tem o seu reverso, esta evolução da sociedade para um outro patamar também o tem. Desde logo, a incapacidade de os cônjuges cuidarem dos seus velhos. (Embora face à mentalidade destes tempos de incerteza mesmo que o tivessem arranjariam maneira de os despacharem rapidamente para uma qualquer instituição). Enquanto escrevo isto, vem-me à memória uma passagem do filme "O Dia da Independência" de Roland Emmerich. Logo no início há uma passagem dum filho que vai visitar o pai a um asilo para velhos, onde conversam sobre tudo e nada, e depois o filho acaba por partir deixando o pai como se este estivesse a viver na sua própria casa. Nessa altura pensei para comigo, ainda bem que entre nós tal não existia porque os velhos sentir-se-iam muito mal. Só que do tempo do pensamento até ver na minha terra essa mesma situação, foi tempo dum relâmpago. Dir-me-ão que hoje as pessoas trabalham e não podem cuidar dos seus velhos. É um bom argumento, muitas vezes real, outras vezes - muitas - hipócrita. É como dizer que se defendem os animais e depois vai-se enviá-los para a morte para, como dizem, "não sofrerem"!!! O que buscam é a solução para que os seus egoísmos sejam satisfeitos. Hoje vejo muitos velhos que são atirados para esses lugares a que chamam lares, na maioria das vezes contra a sua vontade. Por vezes, são levados ao engano e depois lá depositados, outras são mesmo coagidos a irem para lá. Mas a hipocrisia humana é deveras complexa e hoje, nestes tempos de angústia por que passamos, muitos filhos vão buscá-los de novo. E porquê? Não porque os queiram, não porque estão mais disponíveis face a algum dos conjuges ou os dois terem perdido o emprego e assim disporem de mais tempo para deles cuidar, mas tão só, porque necessitam das suas parcas reformas para viverem. Mais uma vez os mesmos egoísmos que embrutecem o ser humano. O importante é que eu tenha dinheiro para fazer face à vida nem que seja usurpar uma reforma (muitas vezes de miséria de um velho) para que os meus egoísmos se possam manter. Dei comigo a pensar sobre isto, não só pelo que vejo no mundo que me rodeia, mas sobretudo por um livro que me chegou às mãos de Jorge Bergoglio (Papa Francisco) em diálogo com o seu amigo o rabino Abraham Skorka. Esse livro que tem por título "Sobre o Céu e a Terra" e de que já dei devida nota neste espaço, também se pode ler algumas reflexões sobre este tema feita pelos dois interlocutores. Numa sociedade devastada por uma crise que não parece ter fim, numa desumanisação que a tem penetrado sem que dela demos por isso, onde os valores do momento, sejamos meus ou os dos outros - mesmo que sejam os pais - ficam arredados para que o meu mundo continue a rolar como se nada existisse para além dele. Mas é tempo para pararmos e pensarmos que amanhã também seremos velhos e as gerações vindouras nos farão o mesmo ou até pior. Nessa altura talvez comecemos a sentir algum calafrio, mas será tarde, porque a nova geração avançará com aquilo que viu a anterior fazer. Se hoje os velhos são um estorvo - só interessando aquilo que ainda podem render - na sociedade de amanhã serão talvez mais do que isso. Porque como as coisas estão a evoluir não pensemos que os valores dos mais velhos serão mais defendidos. Nessa altura talvez pensemos como poderíamos ter abdicado de um pouco do nosso egoísmo criando patamares de amor para os mais idosos e dando um exemplo às gerações vindouras. No ciclo da vida haverá sempre um velho num banco de jardim que o deixará vago para que outro se lá sente. O próximo poderei ser eu ou tu!...
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